Jornalista com 30 anos de experiência em redações, blogueira de cinema, séries e literatura e desde 2019 trabalhando free lance com produção e edição de conteúdos; Silvia Pereira adora ouvir, ler, assistir e - principalmente - escrever histórias.
Publicações do autor
maio 14 2010
Tudo pode dar certo com Woody Allen
Woody Allen ainda vai bater algum recorde ou ganhar um prêmio como o cineasta que mais usou o cinema como espelho… digo, como seu próprio divã. “Tudo pode dar certo” (Whatever Works, EUA/FRA, 2010) não é o primeiro (e, suspeito, não será o último) a ter como protagonista um alter ego seu. O deste filme é Boris Yellnikoff (Larry David), um intelectual rabugento com um mau humor só proporcional a seu estratosférico ego – ele acha que é o único a entender o caos do universo. Seu cotidiano de catedrático aposentado e divorciado muda radicalmente depois que a jovem sem teto Melodie Celestine pede abrigo em seu apartamento e vai ficando indefinidamente.
Evan Rachel Wood está ótima no papel da interiorana burrinha, que, em dado momento, começa a achar a companhia de gente de sua idade um porre. Ainda se descobre apaixonada… adivinhe por quem? Uma pista: qualquer semelhança com a relação do diretor com a ex-enteada Soon Yi, 30 anos anos mais nova, NÃO É mera coincidência.
Referências à parte, dá para se divertir com as situações bizarras que Allen cria para a fauna de personagens que vão povoar a vida do casal. Um exemplo são os pais de Melodie, que chegam à metrópole em diferentes momentos – a mãe primeiro, atrás da filha, e o pai em seguida, atrás de ambas. Em vez de resgatarem Melodie, ambos acabam convertidos a uma nova versão de si mesmos, assumindo talentos e vocações até então insuspeitos.
Allen extrai humor do absurdo. Minha impressão é que ele busca no cotidiano situações reais e as exagera para travesti-las de piada, tendo sempre como suporte diálogos verborrágicos (sua marca registrada) e inteligentes, pródigos em ironias. O clima de ingenuidade absurda lembra as comedinhas de erros de Shakespeare (sem as indefectíveis rimas).
Apesar de ter alguns filmes sérios de Allen na galeria dos melhores que já assisti -“Interiores” e “Crimes e Pecados”, por exemplo- acho que gosto mais do estilo de cinema que ele faz em “Tudo pode dar certo”. Pelo menos para mim, um exemplar do cinema sério de Allen é muito bom, mas do que faz rir é melhor ainda.
abr 04 2010
‘Estão Todos Bem’: simplesmente adorável!
Confesso que tenho um certo preconceito com versões americanizadas de filmes de outros países. Mas o diretor Kirk Jones saiu-se muito bem ao adaptar “Estão Todos Bem” (Everybody’s Fine, EUA, 2009), baseado no italiano “Stano tutti bene” (ITA, 1990), de Giuseppe Tornatore (“Cinema Paradiso”).
É verdade que o roteiro perdeu sutilezas e algum mistério em relação ao original (americanos não resistem a entregar tudo “mastigadinho” ao espectador), mas, em compensação, nos brinda com uma atuação nada usual de Robert De Niro, como um pai terno, daqueles que a gente quer pegar no colo. É a melhor coisa do filme!
De Niro assume o papel que foi de Marcelo Mastroianni no original italiano. Como o viúvo Frank (Francesco no original), decide contrariar conselhos médicos para embarcar numa longa viagem pelo país para ver os quatro filhos adultos, estabelecidos cada um em uma cidade diferente. É que pela primeira vez em muito tempo todos avisam, em cima da hora, que não passarão o Natal com ele.
É de uma tremenda ternura ver o personagem preparar a casa e fazer compras para receber os filhos; depois juntar pertences e remédios para sair pelo mundo atrás deles e, durante a viagem, impor seu orgulho a qualquer estranho desavisado que abra uma brecha pra ele falar da prole.
De Niro confere ao personagem uma fragilidade e uma ternura que julguei impensáveis em um ator acostumado a contorcer-se em caretas e grunhidos de personagens os mais truculentos (policiais, mafiosos, boxeador, assassino, psicopata… a lista é grande). Reparem na dignidade com que incomoda o ritmo frenético das cidades grandes para registrar lembranças em uma câmera antiga, que ainda usa filmes fotográficos. Faz a gente pensar sobre quão pouca importância damos às coisas simples, ao parar para olhar o mundo e o outro, em meio a tanta velocidade que nos é exigida no cotidiano.
Simplesmente adorável!
fev 23 2010
‘Bastardos inglórios’ é Tarantino em grande forma
Confesso que relutei por muito tempo em assistir “Bastardos Inglórios” (Inglorious Basterds, EUA/ALE, 2009) e que, não fosse ele um dos candidatos ao Oscar de Melhor Filme de 2010, provavelmente não me daria ao trabalho – como não me dei até hoje ao de ver “Kill Bill volumes 1 e 2“. A razão é a mesma para os três: me incomoda violência gratuita.
Antes que cinéfilos de todo o mundo me taquem pedras, esclareço que também enalteço todas as qualidades do cinema do diretor Quentin Tarantino. A ver: originalidade, ironia inteligente e um humor completamente fora dos padrões, que quase beira o absurdo, mas diverte (às vezes até demais!). São grandes qualidades numa indústria cada vez mais atada a roteiros-fórmula. Só tenho problema com o fato do diretor usar a violência como estética – jorros de sangue, pedaços de pessoas e assassinatos filmados de forma banal, como se não fossem nada demais e ainda provocando risadas.
Feita esta única ressalva, tenho que admitir que “Bastardos Inglórios” reúne todas as melhores qualidades do selo Taranti na no, potencializadas aqui pela participação do astro Brad Pitt – em atuação acima da média, registre-se – e pela interpretação simplesmente fantástica do austríaco Christoph Waltz. Se o filme não tivesse outras qualidades, só sua atuação magnética seria motivo suficiente para assisti-lo. Ele mereceu o Globo de Ouro e o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pelo papel de um investigador da SS (a polícia militar nazista) que caça judeus.
“Bastardos…” é a história dos feitos de um pelotão fictício de soldados americanos judeus com a missão de matar o máximo de nazistas que conseguirem. É brilhantemente contada, em cenas longas e tensas, como a de Waltz interrogando um rancheiro que tem uma família judia escondida sob o assoalho. Ou a de um grupo de resistentes disfarçados de alemães em conversa de “gato e rato” com um oficial da Gestapo em um bar-porão de Paris. São de prender a respiração!
A última parte do roteiro é uma obra-prima de arquitetura narrativa. A violência gratuita e “engraçada” de Tarantino (infelizmente para mim) também está lá. A ressalva positiva é a de também ter revelado para o cinema ocidental a francesinha Mélanie Laurent e o alemão Michael Fassbender. Tarantino sabe reunir – e retirar o melhor de – talentos!
fev 12 2010
Não alcancei o apelo de ‘Guerra ao Terror’
Eu deveria cultuar “Guerra ao Terror” (The Hurt Locker, EUA, 2008). Aclamado pela crítica especializada, o título rendeu o primeiro Oscar de Melhor Direção para uma mulher na história da premiação: Kathryn Bigelow.
Só que… não.
Não me entendem mal. Acho que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas devia a estatueta a uma diretora desde “Yentl” (1983, Barbra Streisand), e acho o trabalho de Kathryn Bigelow ótimo – sou fã especialmente do primeiro “Caçadores de Emoção (Point Break, 1991) e de “Estranhos Prazeres” (Strange Days, 1996), dirigidos por ela -, mas não achei “Guerra ao Terror” nada demais. Ao menos não para merecer a campanha gigantesca que lhe fizeram à época do Oscar 2010.
Tudo bem, sou uma espectadora suspeita por não morrer de amores pelo gênero de ação (espetáculos de cenas de perseguição e tiroteio me dão um tédio sem fim), mas sou, sim, capaz de me sensibilizar por filmes de guerra que carreguem propostas de reflexão, como “Platoon” (1987, Oliver Stone) e “Apocalipse Now” (1979, Francis, Ford Coppola), por exemplo. E não tenho nada contra filmes de ação que contem uma ótima história nos intervalos dos tiroteios e perseguições de carro – a exemplo dos já citados de Bigelow e todos os das franquias “Máquina Mortífera” e Vingadores da Marvel.
Mas, de verdade, não consegui encontrar em “Guerra ao Terror” nada de útil sobre o que refletir nem uma boa história para me entreter. A mim parece um filme sem alma. Sua primeira metade, em que o trio de soldados de um esquadrão anti-bombas fica só desativando detonações – com dois deles se estranhando o tempo todo, como dois infantilóides – quase me matou de tédio. O único momento interessante, para mim, foi uma aparição do (maravilhoso!) ator Ralph Fiennes, infelizmente muito rápida, com seu rosto e cabeça escondidos e um turbante árabe na maior parte da cena (reconheço aquele par de olhos em qualquer tela).
Os norte-americanos devem ter visto algum sentido na história que não alcancei. Costumo me sentir da mesma forma com alguns filmes dos irmãos Joel e Ethan Coen (#prontofalei), como o também premiado “Onde os Fracos Não Têm Vez” (No Country For Old Men, 2008). Devem ser filmes codificados para só um determinado gênero de platéia (da qual não faço parte) entender… Vai saber?!
jan 24 2010
‘Amor sem Escalas’ e o vazio das relações líquidas
“Amor sem escalas” começa como um filme cínico, daqueles pensados para dar a sensação de um “soco” no estômago que te faz acordar para a vida real. Quando você menos percebe, o próprio roteiro começa a questionar a validade de toda esta injeção de realidade. Por isso e muito mais mereceu, em minha opinião, o Globo de Ouro de Melhor Roteiro para Jason Reitman, que também assina a direção.
George Clooney interpreta aqui o solteiro convicto Ryan Bingham, consultor de uma terceirizada especializada em demitir funcionários para outras empresas. Orgulhoso da própria liberdade e especialista em relações líquidas (superficiais, que não duram, por isso diz-se que “escorrem entre os dedos”), Ryan é convincente ao enumerar as vantagens de não ter nada e ninguém que o prenda a lugar algum, nem nada de pesado para carregar na mochila. Sua maior ambição é atingir a marca de 1 milhão de milhas acumuladas por suas viagens de negócios para poder dar a volta ao mundo – sozinho!
Algo nesse discurso perfeito, que Ryan costuma repetir em palestras a conferências de executivos mundo afora, começa a fazer água quando sua empresa o encarrega de treinar uma executiva recém-formada (Anna Kendric) por algumas viagens.
Não é nada repentino. Primeiro ele se relaciona com uma atraente executiva que parece comungar seu perfil de desapego. Depois, começa a sentir-se responsável pela jovem trainee, que confrontada por um choque cavalar de realidade, começa a questionar todas as suas teorias prontas sobre a vida.
Uma cena emblemática dá pistas de que algo está mudando dentro de Ryan quando ele volta do casamento da irmã caçula – ao qual decide ir de última hora, já que sempre odiou reuniões de família. Ao chegar em seu apartamento, tira da mala três cabides, que pendura em guarda-roupas absolutamente vazio – como os de hotéis em que se hospeda; entra no banheiro de azulejos brancos e neutros como todo o restante do apartamento e, ao pegar a escova de dentes, congela diante de sua imagem no espelho. Parece que está se olhando de verdade pela primeira vez. Entendemos, por associação, que é a sua vida, neutra e vazia, como aquele apartamento, que ele começa a enxergar com um novo olhar.
Não vou entregar o que ele faz a partir desta tomada de consciência, mas basta saber que experimentará uma dose cavalar do cinismo que sempre dispensou aos outros.
No final das contas, “Amor sem Escalas” passa uma mensagem muito mais nobre do que esperávamos no começo: a de que é preciso, sim, coragem para aceitar todo o estresse, renúncias e – sim – tédio que vêm junto com os laços afetivos, mas que sem eles a vida fica sem cor. O melhor é que o filme mostra isso sem adotar os habituais recursos “melosos” dos romances e com um olhar muito adulto e realista. Pontos para seu diretor-roteirista, que parece saber, aos 32 anos, o que seu personagem levou algumas décadas a mais para descobrir.
jan 17 2010
‘Batman – O Cavaleiro das Trevas’: histórico!
Prova de que nem todo o sucesso de público é sinônimo de “fórmula descartável” foi o rankeamento de “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, de Christopher Nolan, como a maior bilheteria da década (até a data desta postagem). Para mim, o filme é mais que genial. É histórico, por provar que é possível, sim, filmar roteiros inteligentes e que fazem pensar sem abrir mão do espetáculo sensorial do “cinemão”. Concordo, aliás, com este comentário de um crítico de cinema respeitado: “sua aparente trivialidade é justamente o que faz com que, enquanto nos diverte, possa levantar questões sérias sobre os valores e os méritos”.
Nesta versão de uma das HQs mais filmadas do cinema, o personagem de Coringa (Heath Ledger memorável!) nos força a refletir sobre o quanto tememos o caos e a falta de significação para cada acontecimento ruim – como a morte de um ente querido, as guerras ou uma tragédia. Nos faz encarar um medo sobre o qual sequer temos consciência no dia-a-dia, por estar escondido atrás das explicações que precisamos encontrar para tudo.
É por conhecê-lo que o Batman de Nolan assume, na segunda parte desta “fodástica” trilogia, a culpa por crimes que não cometeu. Ao contrário do bom-moço Harvey Kent, ele consegue emergir à dor e à falta de significação para a perda do amor de sua vida. Afinal, já passou por esse tipo de sofrimento antes.
Para mim, o filme fornece a melhor definição de super-herói: aquele que não merece o título só por voar entre prédios e fazer coisas que seres humanos normais não conseguem, mas porque – para usar as palavras do oficial Jim Gordon – ele “agüenta” os ônus!
Sensacional!
dez 16 2009
‘O Clube do Filme’: assista este livro
Deliciosa a experiência de ler “O Clube do Filme”, livro do jornalista canadense David Gilmour (não confundir com o músico do Pink Floyd), que, desconfio, agradará mesmo a quem não curte tanto cinema quanto eu. É que não se trata só de filmes. É a história de um pai que decide arriscar-se a respeitar a natureza do filho autorizando-o a deixar a escola (que ele odeia) sob uma condição inegociável: assistirem juntos a três filmes por semana, o que inclui conversarem e refletirem a respeito após cada sessão.
Torna esta história muito humana o fato de o pai nunca admitir que sabe o que está fazendo. Muito pelo contrário. O tempo todo ele se questiona sobre se fez a coisa certa ao seguir seu instinto . Chega a entrar em desespero algumas vezes, imaginando um futuro ruim para o filho por negligência sua.
Mas a história terá um bom final. E até chegar a ele o leitor acompanha as confissões de um pai inseguro sobre a melhor forma de ajudar o filho quando ele passa pelas agruras de alguns ritos de passagem da adolescência, como primeiros amores, dores-de-cotovelo, dúvidas sobre o que é “ser homem”, etc.
Ao mesmo tempo, durante as sessões de cinema do Clube – que dura três dos mais cruciais anos da adolescência do filho, Jesse – sorvemos deliciosos comentários de David sobre filmes dos mais variados gêneros e aprendemos com ele a ver muitos filmes por outros prismas – o de um pai que quer compartilhar sua visão de vida com o filho.
O autor não fala dos filmes com a arrogância e o determinismo dos críticos, mas como um devotado e entusiasmado fã. Dá vontade rever muitos filmes citados por ele que já vimos ou de sair correndo locar os que ainda não assistimos.
Com esta identificação, acabamos por fazer parte, junto com pai e filho, do tal do “Clube do Filme”. Também fiquei desejando conhecer David pessoalmente, para passar algumas horas deliciosas trocando impressões sobre centenas de títulos. Seriam horas prazerosas!
Bom, mas como é improvável que este encontro role de fato, vou me contentar em utilizar uma das idéias de David para a próxima postagem, à qual darei o nome de “Prazeres Culpados” – o nome dado por David a um dos blocos temáticos da programação de filmes que ele preparava para ver com o filho. Este módulo referia-se a filmes que ele tinha vergonha de admitir que gostava, por serem considerados medíocres (Exemplo: “Uma Linda Mulher”).
nov 07 2009
‘Férias Frustradas de Verão’: clima dos anos 80
Quem foi adolescente na década de 1980 se lembra das “brincas” (de brincadeiras), reuniões dançantes que quem ainda não tinha idade pra frequentar boates e discotecas improvisava em casa mesmo, instalando luzes estroboscópicas na parede, apagando todas as luzes da casa e caprichando na playlist do 3 em 1 (aparelho de som que unia toca-discos, toca-fitas e rádio AM-FM). Na pick-up, vinis de The Cure, Simple Minds, Journey, David Bowie, U2 e todo o delicioso som dançante que a década produziu.
Lembranças como essa com certeza virão à memória de quem viveu a “geração 80” ao assistir “Férias Frustradas de Verão” (Adventureland, EUA, 2009). Protagonizado por Jesse Eisenberg e Kristen Stewart novinhos – antes de se tornarem estrelas de sucessos como “A Rede Social” e “Crepúsculo” -, trata-se de um romance adolescente daqueles bem levinhos, ambientado em 1987, numa vizinhança de classe média baixa.
Eisenberg interpreta um nerd romântico, recém formado no Ensino Médio, que vê seu plano de férias na Europa frustrado quando o pai tem problemas no trabalho. Com o objetivo de levantar recursos para a faculdade, ele aceita um emprego de verão no parque de diversões do título original, onde conhece a enigmática colega de trabalho Emily (Kristen). Aparentemente opostos – ele tímido e virgem, ela cética, já com vida sexual ativa -, eles se aproximam aos poucos, de uma forma doce e sem jogos, até que uma revelação coloca em cheque a relação antes mesmo dela engrenar.
O que mais gostei, neste e no filme anterior de Greg Mottola (o também ótimo “Superbad”), foi a forma original, livre de fórmulas, com a qual a história é desenvolvida. Não há grandes análises existenciais, mas nem mediocridade… apenas uma forma simples, doce e sincera de se olhar a juventude que o cinema vem perdendo.
A trilha sonora, grande responsável pelo clima dos anos 1980, também é de arrasar. Inclui, além das bandas já citadas no início do texto, gravações de Lou Reed e seu Velvet Underground, entre outros ótimos representantes do rock da época.
Ótima pedida para uma Sessão da Tarde!
out 17 2009
‘Distrito 9’: aliens na favela
![](https://i0.wp.com/palavreira.com.br/wp-content/uploads/2009/10/Neil-Blomkamp.jpg?resize=251%2C300&ssl=1)
O diretor Neil Blomkamp na época do filme
Estreia na direção do sul-africano Neill Blomkamp, “Distrito 9” (District 9, EUA/ Nova Zelândia/ África do Sul, 2009) foi aclamado pela crítica especializada na ocasião de seu lançamento. Mereceu! Este misto de ficção científica e thriller social foge aos padrões do cinemão, trazendo um sopro de frescor a ambos os gêneros.
O filme começa em tom documental, entrecortando cenas de violência em Johanesburgo (capital da África do Sul) com depoimentos de sociólogos, assistentes sociais, moradores e agentes governamentais, que descrevem, como se estivessem sendo entrevistados, porque a formação de uma favela torna-se uma “pedra nos sapatos” das autoridades. Quando o governo resolve despejar seus moradores e transferi-los para uma área mais distante da cidade, o funcionário público padrão Winkus Van Der Merwe é encarregado da operação, que não se dará sem imprevistos (um deles caro demais a seu perfeito modo de vida).
Até aí, o argumento de “Distrito 9” não soaria muito diferente dos de outros thrillers não fosse um importante detalhe: os habitantes da tal favela são alienígenas, cuja nave “encalhou” nos céus da cidade após a perda de um módulo. Numerosos, desnutridos e inexplicavelmente amistosos, embora tragam na bagagem armas de grande poder letal, eles foram aprisionados nesta região, que é demarcada por cerca eletrificada. As armas alienígenas são cobiçadas pelo Governo, que tenta a todo custo descobrir uma forma de usá-las, pois sua tecnologia só funciona em contato com o DNA dos “camarões” – termo pejorativo pelo qual os aliens passam a ser chamados.
Não darei spoiler sobre como a história se desenrola a partir desse argumento, mas posso dizer que a trama é tão bem amarrada e o ritmo tão eletrizante que quase nem reparamos na precariedade dos efeitos especiais – para mim, só mais uma prova de que é a tecnologia que deve servir de suporte a uma [de preferência boa] história e não o contrário.
Também gostei de o filme não assumir ares panfletários e nem pretensões de crítica social. Claro que o espectador medianamente informado sobre as realidades sociais mundo afora não terá dificuldade em traçar suas próprias analogias, mas poderá fazê-lo sem nenhum prejuízo do entretenimento. Ou seja, todo mundo ganha, quem assiste a filmes só para fugir da realidade e quem também gosta de pensar.
O final deixa margem a uma continuação. Vou torcer para ela rolar.