Silvia Pereira Pelegrina

Jornalista com 30 anos de experiência em redações, blogueira de cinema, séries e literatura e desde 2022 também assessora de comunicação; Silvia Pereira adora ouvir, ler, assistir e - principalmente - escrever histórias.

Publicações do autor

‘Flipped’: muito além de um amor de infância

Em um dicionário Inglês-Português da internet, “Flip” é traduzido tanto como um salto mortal da ginástica, quanto o ato de “atirar” ou de “lançar ao ar” uma moeda – ou, ainda,  “virar de posição”. Diferentes entre si, todos estes significados cabem, de alguma forma, no filme “Flipped” (“O Primeiro Amor” no Brasil), embora a protagonista use o termo mais como uma gíria sinônimo de “surtar” (“The very first time I saw Bryce Loski, I flipped”).

Com roteiro e direção de Rob Reiner (“Questão de Honra”, “Conta Comigo”, “Louca Obsessão”), o filme conta como um casal de vizinhos compartilha desencontros e descobertas dos 7 aos 13 anos de idade, nunca na mesma sincronia, com cada fase da relação mostrada sob o ponto de vista de um e outro.

Parece outra história de “menino conhece menina”, mas não é! “Flipped” vai muito além da narrativa de um amor de infância. Também é a história de como os jovens Juli e Bryce aprendem a refletir e, consequentemente, ver com novos olhares o mundo, as pessoas e a si mesmos.

Juli inicia este processo instigada de uma forma muito linda por seu pai. Enquanto pinta um quadro no quintal de casa, ele questiona a filha sobre o que ela vê em seu apaixonado para além da aparência. “Numa paisagem, o todo é mais importante do que a partes”, filosofa. O amigo idoso, Chet, elabora ainda mais a metáfora: “nos seres humanos, às vezes, o todo pode ser menor do que as partes”. A menina aproveita muito bem tais provocações, passando a refletir sobre o que a soma das partes de cada indivíduo à sua volta diz sobre eles.

Em Bryce o chacoalhão que o faz começar a pensar por si mesmo também é dado por Chet – não por acaso seu avô, que enxerga na pequena Juli o mesmo espírito transcendente da falecida esposa.

Como resultado das novas reflexões, Juli e Bryce vão trocando de posição (flip!) – ela recuando em sua intensidade à medida que passa a pesar mais suas escolhas… ele atirando-se mais nas experiências à medida que vai parando de pautar suas ações e julgamentos pela opinião alheia.

Superficial só na aparência, o filme está mais para um manual didático sobre a importância da reflexão no processo de aprendizagem propiciado pelas experiências. Prova, da forma mais encantadora, que quanto mais cedo se começa (a refletir), melhor!

Elizabeth Taylor: divindade de olhos violeta

E ainda pregam que deuses são imortais.

A divindade encarnada em Elizabeth Taylor deu seu último suspiro humano neste dia 23 de março de 2011… ainda não consigo me conformar com o fato de que este ícone da Hollywood que amo se foi.

Os jornais vomitam biografias ricas em escândalos conjugais, que ela soube colecionar como ninguém em seus oito casamentos (e vários affairs no meio). Mas a divindade que sempre venerei em Elisabeth Taylor foi a atriz, maior ainda do que sua escancarada beleza, em minha muito parcial opinião de fã.

Workaholic, Liz estrelou a marca impressionante de 70 filmes em 79 anos de vida (até se aposentar do cinema, na década de 1990, jamais passou um ano inteiro sem trabalhar), alguns dos quais figuram na galeria de títulos que marcaram minha memória afetiva. Outros tantos, porém, sequer conheço ainda, pela dificuldade de acesso à sua filmografia completa.

Aprendi a reconhecer Elisabeth Taylor em inúmeros títulos da “deliciosa” Hollywood de entre as décadas de 1940 e 60, antes mesmo de entrar no ensino primário, nas Sessões da Tarde das décadas de 1970 – saudoso período em que a Globo exibia “classicões” do grande cinema de todos os tempos.

Eu a via em suas várias idades em completa desordem cronológica, à mercê da programação: adulta e sensualíssima em “Gata em teto de zinco quente”, por exemplo, muito antes de reconhecê-la menina e ingenuazinha em “A Coragem de Lassie” e “A Mocidade é assim mesmo”.

(Photo by Sunset Boulevard/Corbis via Getty Images)

Lembro-me de me perguntar como os demais personagens tratavam como uma pessoa comum aquela deusa de olhos violeta brilhantes – de gata -, traços perfeitos e boca de coração… Achava Paul Newman um idiota por esnobá-la em “Gata…“, que assisti pela primeira vez antes de entender, com meu limitado repertório infantil, que eram sexuais as investidas que ele recusava.

Também a vi adolescente em “Quatro destinos”, décadas antes de descobrir que tratava-se de versão cinematográfica do clássico literário “Mulherzinhas”, de Louisa May Alcott, uma das muitas descobertas literárias às quais cheguei por meio do cinema.

Mais velha, pude entender a complexidade do roteiro de “O Pecado de todos nós” (Reflections in a Golden Eye): Liz corajosamente nua sobre um cavalo, tentando provocar a libido de dois homens – um deles Marlon Brando, lindo e louro, no auge do talento e da forma física… a razão da frieza de seu personagem para com a esposa fogosa a maior e retumbante surpresa do filme! O roteiro tinha aquele componente caro ao dramaturgo TennesseWilliams (apesar deste filme não ter assinatura dele) de mostrar claramente sem dizer de fato.

Em “Assim Caminha a Humanidade”, Liz segurava cenas tensas com o talentosíssimo James Dean e conseguia aparecer tanto quanto o gigante Rock Hudson – ela uma “tampinha” peituda e sem bunda, mas com curvas que sabia valorizar.

E foram muitos os clássicos com seu nome na ficha técnica. Por dois deles –“Disque Butterfly 8”, um conto de fadas amargo, e “Quem tem medo de Virginia Woolf”, em que conseguiram enfeiá-la para o papel principal – ganhou os dois únicos Oscars da carreira. Mereceu estes e outros que não ganhou, como para seus papéis em “De repente, no último verão” – ela vulnerável e psicologicamente traumatizada como a sobrinha que uma tia calculista queria lobotomizada; em “Adeus às ilusões”, como uma mãe liberal e pensadora que seduz o diretor de uma escola católica para garotos; sem falar no já citado “Gata em teto…” – ela derramando sensualidade para reconquistar o marido alcoólatra e a preferência do sogro moribundo.

Como sabia escolher bem seus filmes!!!

Pensando bem, os deuses devem ser mesmo imortais, pois a Liz Taylor que conheci continua por aí, naqueles filmes que embalaram uma vida inteira de enlevos cinematográficos. Devota que sou, cultuarei para sempre o glamour da Hollywood que ela representou.

Bravo, Aronofsky!

Mais de um mito clássico e teorias psicanalíticas já concluíram que todos temos dentro de nós a luz e as trevas… e que prevalece em nosso caráter a porção que escolhemos alimentar. É dessa dicotomia que trata “Cisne Negro”, ótimo suspense psicológico do diretor Darren Aronofsky que deu o primeiro Oscar de Melhor Atriz a Natalie Portman (mereceu!).

No papel da bailarina Nina, ela vive com uma mãe dominadora (Bárbara Hershey cheia de plásticas e botox), que claramente procura espelhar na filha seu desejo inalcançado de sucesso na carreira. De técnica irretocável, Nina seria a escolha óbvia para a personagem principal do clássico balé de repertório “O Lago dos Cisnes“, que sua companhia começará a montar. Mas, segundo o diretor artístico, Tomás (o francês Vincent Cassel), seu temperamento enrustido a impediria de convencer nos dois papéis exigidos da protagonista no espetáculo: o da princesa transformada em cisne branco, e o de sua irmã gêmea (a cisne negro), que seduz seu amado.

Uma reação impulsiva a um assédio, porém, faz o diretor finalmente apostar em Nina, que passa a ser muito exigida durante os ensaios. A pressão psicológica desperta alucinações, que dão pistas sobre as sombras que Nina traz dentro de si e tem tanto medo de encarar ou dar vazão, como se vivesse amedrontada pelo fantasma de si mesma.

O diretor Aronofsky – que fez aflorar a fragilidade em Hugh Jackman no belíssimo “A Fonte da Vida” e talento interpretativo de Mickey Rourke em “O Lutador” – tira de Natalie Portman a melhor atuação de sua carreira até aquele momento. E não digo isso por ser ela (e não uma dublê) quem dança em muitas das cenas de balé clássico do longa. Prestem atenção nas expressões que seu rosto assume depois que um ato extremo deixa aflorar seu “cisne negro”.

Também plasticamente o filme é lindo! Algumas cenas de balé – particularmente uma em que Natalie vai transformando-se em cisne negro em pleno palco – são de uma poesia visual arrebatadora. O diretor consegue fazer um filme introspectivo e grandioso ao mesmo tempo. Não é pouco,

Bravo, Aronofsky!

Christopher Nolan é o meu herói!

Definitivamente, o cineasta Christopher Nolan é o meu herói! Não assisti a um filme escrito e dirigido por ele que não fosse um primor de engenharia narrativa e um baita desafio à capacidade de raciocínio do espectador. Vejam, por exemplo, “Amnésia“, sobre um homem com perda de memória recente que sai à caça dos responsáveis pelo assassinato da mulher. Para lembrar seus objetivos, ele tatua mensagens para si mesmo no próprio corpo. Sensacional o expediente de filmar a história de trás para frente, para dar ao espectador a mesma sensação que tem o personagem ao “acordar”, a cada 15 minutos, em uma situação estranha sem ter absolutamente nenhuma memória de como foi parar nela.

Achei que, após sua série Batman, não havia como o diretor e roteirista elevar ainda mais o nível de seu trabalho até assistir “A Origem”. No filme, Leonardo DiCaprio interpreta um expert na invasão de subconscientes durante o sono para extrair segredos valiosos. Exilado por ser considerado um criminoso nos Estados Unidos, ele aceita a proposta de fazer o que ninguém em seu ramo conseguiu antes: “implantar” – a “Inception” (inserção) do título original – uma ideia no subconsciente de um herdeiro milionário, em troca de retornar livre para seu país e sua família.

Nolan arquiteta um roteiro tão engenhoso que precisei rever o filme para entender todas as partes. A ficção que ele constrói nas viagens pelos sonhos dos personagens é perfeitamente coerente nas alusões ao funcionamento do subconsciente humano. O diretor consegue costurar este jogo de simbolismos à história de um homem atormentado por um fantasma de seu inconsciente, que busca desesperadamente expiação, perdão e “voltar para casa”. Ainda tempera a trama com sequências de ação da melhor qualidade – tudo ao mesmo tempo.

Como se não bastasse, os efeitos especiais de “A Origem” são impecáveis. Em uma sequência de perseguição, por exemplo, dois personagens lutam corpo a corpo em um ambiente que literalmente “rola” em torno de seu próprio eixo devido à ausência de gravidade. Tudo bem que Fred Astaire já havia dançado antes por paredes (PARADAS) na década de 1950, mas os caras lutam por paredes em constante rotação!!! Não consigo nem de longe imaginar o tipo de coreografia de câmeras e cabos que foi necessária para simular tal efeito.
Genial, Nolan, genial!

Aí vem a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e indica “A Origem” em oito categorias do Oscar 2011 – entre elas as merecidíssimas de Melhor Filme e de Melhor Roteiro Original -, mas simplesmente “esquece” de indicar Nolan na de Melhor Diretor.
Lamentável Academia… lamentável!

Preste atenção nas várias interpretações que o simples aparecimento deste peão enseja nas últimas cenas do filme.

‘Inverno da Alma’ exala aridez

Se tivesse que descrever o filme  “Inverno da Alma” (Winter’s Bone, EUA, 2010) em uma única palavra seria “aridez”. Neste filme dirigido por Debra Granik, que concorreu ao  Oscar 2011 de Melhor Filme, tudo – do cenário às relações  – evoca secura e desolação. Seu maior mérito, porém, foi ter revelado ao mundo o grande talento interpretativo de uma jovem Jennifer Lawrence.

A história gira em torno das buscas que a adolescente Ree Dolly (Lawrence) empreende atrás de seu pai, desaparecido desde que saiu da prisão. Precocemente amadurecida pelas circunstâncias – cuida da mãe doente e cria os irmãos de 7 e 12 anos sozinha -, Ree tem urgência em encontrá-lo antes da data da audiência  que decidirá se sua família será despejada e separada pelo Estado.

A determinação com que a jovem entrega-se à investigação sobre o paradeiro do pai, mesmo sob ameaças de parentes criminosos é admirável. Sem derramar uma lágrima, a jovem visita e é visitada por policiais, traficantes e um agiota.

Florestas de galhos e folhas secos, chão duro de terra, pântanos gelados, clima frio e habitações pobres de madeira são os cenários percorridos por Ree durante suas buscas, intensificando a sensação de desolação que embala todas as cenas.

Jennifer Lawrence também foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz, que perdeu para atuação arrebatadora de Natalie Portman em “Cisne Negro”.  Sua interpretação é impressionante, combinando autoridade, coragem e ao mesmo tempo amor pelos seus em cenas extremamente tensas.

Pesado e triste, não é um filme fácil de ver, mas também quase impossível de abandonar. A tensão e a curiosidade por saber até onde aquela busca quase suicida levará nos acorrenta à trama. Vale a pena!

‘Não me abandone jamais’ é para os fortes!

Foi procurando os títulos em que o jovem Andrew Garfield já atuou no cinema que cheguei ao doce e dolorido drama “Não me abandone jamais” (Never Let me go, ING, 2010), de Mark Romanek. Não procurava o Andrew Garfield prestes a virar astro do novo Homem-Aranha, mas o que me fez torcer pelo “derrotado” Eduardo Saverin de “A Rede Social”. Se você viu o mesmo que eu em sua atuação não pode perder este filme. Na pele do doce, sensível e limitado Tommy, a improvável mistura de fragilidade e atitude de sua atuação elevam o carisma de Garfield um nível acima.

“Não m e abandone jamais” é inspirado em livro de Kazuo Ishiguro, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 2017 e mesmo autor de “Resíduos do Dia” –  que deu origem ao também inglês e igualmente melancólico  “Vestígios do Dia” (Remains of the Day, ING, 1993). A trama acompanha a amizade dos personagens Tommy (Garfield), Ruth (Keira Knightley) e Kathy (Carey Mulligan), iniciada na infância dos três, passada em um internato cheio de disciplinas rígidas quanto à alimentação e à saúde e sem contato nenhum com o mundo exterior.

O pano de fundo é um presente distópico, em que a legalização da engenharia genética enseja anomalias sociais como a de seres humanos criados única e exclusivamente para abastecerem, quando adultos, a indústria de órgãos humanos.  Ou seja, eles crescem sabendo que estão destinados a terem seus órgãos retirados cirurgicamente, um a um, até morrerem.

O conhecimento precoce dessa cruel realidade precipita a formação de um triângulo amoroso entre os protagonistas. Quando chegam à iminência de cumprirem seus destinos, os três jovens tentam desesperadamente fugir a ele e, no processo, um amor é restaurado, uma culpa redimida, mas muitas ilusões e esperanças acabam perdidas.

Tento não usar a palavra tristeza para o filme, já que meu irremediável romantismo tende a supervalorizar o amor em detrimento do drama, mas não há como evitar. A história é irremediavelmente melancólica, mas também linda porque sobre amor.

Ainda assim, é para os fortes!

Meu Blake Edwards favorito!

Nunca fui muito grande fã da obra do diretor e roteirista Blake Edwards, falecido neste 15 de dezembro, aos 88 anos, apesar de ter dado boas risadas com “Um convidado bem trapalhão” (The Party, EUA, 1968). Mas sempre serei grata por ele ter adaptado para o cinema a novela de Truman Capote “Bonequinha de Luxo” (Breakfast at Tiffany’s, EUA, 1961), um dos clássicos cinematográficos que mais marcaram minha memória emocional. Assisti ao filme várias e várias vezes na Sessão da Tarde da Globo, naquela fase de ouro, entre final dos anos 1970 e metade dos 1980, em que o horário exibia grandes clássicos da antiga Hollywood.

Lembro-me de, na infância ingênua a que minha geração teve direito, não ter entendido todas as referências do roteiro à profissão de Holly Golightly e nem à condição de gigolô do escritor com bloqueio criativo Paul Varjak (George Peppard) – jamais me ocorreu perguntar, por exemplo, por que diabos os acompanhantes de Holly sempre davam 50 dólares para ela ir ao banheiro ou por que a decoradora de Paul deixava dinheiro na cabeceira de sua cama (criança, devia colocar tudo na conta dos “estranhos costumes americanos”… rs).

Para mim, importava o glamour de ver Audrey, linda e longilínea em um longo de festa, comendo croissant com café na calçada da Tiffany’s; divertir-me com os diálogos interessantíssimos entre ela e Paul e liquefazer-me com o romantismo do dia que ambos passam juntos fazendo traquinagens por Manhattan… ao final do passeio, ambos magicamente surpresos no hall do prédio… ela subindo a máscara de gata para revelar os olhos brilhantes à espera de um beijo (ai, ai…).

Na televisão não podíamos voltar a cena, mas, ao comprar o DVD, realizei-me voltando tantas vezes quanto pude aguentar rever Holly surpreendendo Paul ao chegar em um beco, debaixo de chuva, para ajudá-lo a procurar por “Gato” – símbolo do desapego a laços que Holly cultivava com tanto desespero e que ela havia acabado de enxotar. A chuva, o beijo de ambos à sombra dos predinhos de Manhattan, carros passando e, ao fundo, os acordes de “Moon River”. Pura mágica hollywoodiana!

Tenho o hábito de procurar para ler os livros que inspiraram filmes que adorei assistir, mas me acovardei neste caso. Conhecendo a fama cáustica de seu autor, tive medo que a história original comprometesse para sempre esta minha memória emocional. No fundo, continuo uma “inglesa romântica”.

‘A Rede Social’ e a juventude 2.0

Nerds, geeks, geração Y, juventude 2.0… Todos esses “clubes” estão representados em “A Rede Social“, filme de David Fincher que conta a história de como foi criado o Facebook, o site de relacionamento mais popular do planeta. Se você não pertence a nenhum deles, porém, não se preocupe. O informatiquês de alguns diálogos não compromete o entendimento deste thriller interessantíssimo sobre o universo de uma geração que nasceu falando em linguagem de bits.

Basicamente, o roteiro gira em torno da figura de Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg), um nerd que ficou bilionário aos 23 anos graças à invenção do Facebook de seu dormitório na Unversidade de Harvard. Tudo começa na noite em que ele leva um fora da namorada e seu cérebro embotado de cerveja hackeia a rede da instituição para expor dados de suas alunas. Sua façanha chama a atenção de três outros estudantes, membros de um proeminente clube de Harvard, que o convidam a colocar em prática a ideia de uma rede social dentro da universidade. Mark concorda, mas desaparece e concretiza a ideia sozinho, com capital do melhor amigo, o brasileiro Eduardo Saverin (Andrew Garfield) – em quem também dará uma “rasteira” quando o Facebook torna-se um grande investimento.

As disputas judiciais que os quatro “passados para trás” movem contra o já bilionário Zuckerberg servem de espinha dorsal para a montagem do filme, todo entrecortado por flashbacks. Mas o mais interessante – para mim, pelo menos – não é a história em si e nem mesmo saber como acabam as disputas judiciais. É entender o que move esta geração tão familiarizada com tecnologia e máquinas, mas tão pragmática e antissocial.

A julgar pelas pistas dadas pelo filme, o que move a juventude 2.0 é o de sempre (mudam os “brinquedos”, mas não os anseios adolescentes): paixão, necessidade de pertencimento, desafiar a autoridade e, no caso específico da americana, a popularidade.

Não por acaso Mark decide ampliar o alcance do Facebook para outras quatro universidades – e depois para outros países – quando percebe que sua fama de criador do site não chegou à instituição em que a ex-namorada estuda. E quando ele é reconhecido pela façanha em uma palestra de Bill Gates, parece que estamos assistindo pela enésima vez ao clichê do atacante do time de futebol da escola sendo reverenciado pelos seus seguidores – vemos isso em 99 de cada 100 filmes americanos passados no universo adolescente.

Para Mark, o sucesso do Facebook é mais do que um projeto bem sucedido. É também a vingança perfeita do nerd ainda rancoroso por nunca ter sido convidado a integrar nenhuma das seculares fraternidades de Harvard – aliás, permitam-me dizer que acho uma grande palhaçada este “sistema de castas” instituído pelas fraternidades americanas (espécies de repúblicas cujos membros passam por severos critérios de seleção e cuja participação confere status social, tão alto quanto mais tradicional ela for).

E vamos combinar que comparecer a audiências disciplinares ou reuniões empresariais trajando moletom e chinelos, sem o menor respeito pelo protocolo, não é algo muito diferente do que milhares de adolescentes já fizeram antes para desafiar todo tipo de autoridade constituída.

Saber que as motivações dos adolescentes 2.0 são as mesmas de gerações anteriores já é um começo para quem tenta entendê-los e lidar com eles, mas não toda a resposta. Há que se descobrir ainda como formar o caráter de jovens com ego inflado pela sensação de poder dada pelo multi-acesso às informações, mas com sociabilidade amortecida pela falta de prática.

Eu tenho vontade de parafrasear Ziraldo: “Já pra rua ver gente, menino!

‘Amish Grace’ e a inconcebilidade do perdão

Produzido para a TV, “Graça e Perdão” (Amish Grace, EUA, 2010) é inspirado no caso real de um pai de família que, amargurado pela perda da filha, decide vingar-se de Deus disparando tiros na escola de uma comunidade Amish e se suicidando em seguida. A morte de cinco das meninas espalha dor entre a comunidade de cristãos ultraconservadores, conhecida por viver isolada do restante da sociedade e cultivar um modo de vida mais primitivo, inclusive com restrições a tecnologias eletrônicas.

Ironicamente, o que acaba chocando a opinião pública, mais do que a brutalidade do crime, é o motivo da visita feita por líderes Amish à viúva do assassino, no mesmo dia do ocorrido. Em meio ao seu próprio luto, eles encontram forças para levar perdão ao atirador e conforto à sua família. Tal desprendimento é considerado tão extraordinário que uma emissora incumbe sua equipe de reportagem de investigar se a comunidade toda concorda com o ato ou se esta está sendo imposto por seus líderes.

Aí entra o paradoxo: que em sociedades majoritariamente cristãs o perdão a quem nos causa dor ou prejuízo é tão inconcebível que provoca incredulidade, choque, descrédito.

E de fato, assistindo ao filme, entendemos a dificuldade de uma das mães que perdeu uma filha em comungar a benevolência para com quem lhe tirou um bem tão precioso. Soa perfeitamente legítimo para nós sua revolta com o marido, que, acredita ela, aceita fácil demais desculpar o assassino da própria filha. “Você está enganada. Não é fácil perdoar”, esclarece ele.

Também para mim foi difícil encontrar lógica nesta postura, até que este questionamento, feito pelo personagem deste pai à filha mais nova, levou-me a pensar: “Não vou castigá-la por odiar, nem vou dizer para não fazê-lo, mas só quero que me responda uma coisa: este ódio… é bom senti-lo?”.

Em outra cena, as famílias prejudicadas pelo episódio recebem atendimento psicológico em um grupo de apoio. A viúva do assassino é a que tem mais dificuldade em perdoar o ato do marido. Ironicamente, são algumas das mães que perderam suas filhas a lhe ensinarem que perdoar não é algo que se faz apenas pelo perdoado, mas também por si mesmo. “Se eu não perdoar todas as vezes do dia em que me lembro e prendo a respiração de ódio, não conseguirei continuar respirando e morrerei aos poucos”, diz uma das mães.

O filme deixa a lição de que somos apenas nós os prejudicados pelo cultivo do ódio, para o qual o único remédio é o perdão. Mas não fornece resposta a uma questão óbvia suscitada pelo paradoxo: por que, vivendo em uma sociedade cristã, o perdão ainda é visto como sinônimo de fraqueza ou de algo abaixo de nossa dignidade? Esta, cada um terá que responder a si mesmo.

A Vila: metáforas do medo

Note Jesse Eisenberg, de ‘A Rede Social’, jovenzinho fazendo figuração (na ponta da mesa, à direita)

Como ocorre com livros que volta-e-meia releio, também tenho meus “filmes de cabeceira”, aos quais recorro sempre que quero reviver uma deliciosa experiência. São produções que continuam a me emocionar não importando há quanto tempo as cultue, assistindo de tempos em tempos pra checar se continuam a tocar a nova pessoa que me torno a cada fase.

Entre os títulos que nunca me decepcionam está “A Vila” (The Village, EUA, 2004), do cineasta de ascendência indiana M. Night Shyamalan (de “O Sexto Sentido”). Repleto de signos e subtextos, o filme me encanta em diferentes níveis, começando pela história misteriosa, que se passa em uma comunidade rústica, fisicamente isolada da civilização pelos limites de uma floresta. Quando a morte de uma criança por falta de remédio arrasa uma das famílias, um dos moradores jovens (Joaquim Phoenix) se oferece para atravessar a floresta e buscar medicamentos em outra cidade, mas é desautorizado pelo Conselho de Anciãos. Em seguida, uma série de episódios estranhos vão tecendo uma teia de mistérios que parecem ter relação com segredos guardados pelos mais velhos.

O elenco de peso é encabeçado por William Hurt e Sigourney Weaver, no núcleo mais velhos, e abrilhantado por Joaquin Phoenix, Adrien Brody e Bryce Dallas Howard na ala mais jovem – interessante notar Jesse Eisenberg (Mark Zuckerberg em “A Rede Social”) jovenzinho fazendo figuração.

Dallas Howard fez sua estreia no cinema com este papel de uma garota cega, filha do líder da comunidade (Hurt). Sua personagem, aliás, é a mais evidente metáfora do filme, com sua forma de “ver” o que ninguém mais nota. Será ela a desafiar a ordem estabelecida na comunidade pelo medo, sentimento presente por todo o roteiro e que leva à sua mais importante reflexão: a inutilidade de se tentar fugir do sofrimento e da maldade, que são inerentes ao ser humano.

Shyamalan rumina didaticamente esta simples e tão evitada verdade por todo o filme – não por acaso lançado três anos após o fatídico 11 de setembro, portanto no auge da “paranoia do terror” semeada entre os norte-americanos.

Por fim, destaco a forma sutil e romântica com que o amor é reconhecido e sugerido em algumas cenas, por mais de um par romântico, um deles inconfessável.

Não comentarei outras metáforas identificadas para não comprometer a experiência de quem ainda não o assistiu. Vale muito a pena!