Categoria: CINÉLIDE

‘Hanami’: franco-alemão com alma japonesa

Hanami – Cerejeiras em flor” tem produção franco-alemã, direção da francesa Doris Dorrie, elenco quase todo alemão, mas alma japonesa. Porque é característica desta nação oriental a forma delicada, sutil, até suave com que sentimentos de perda e saudades são sugeridos em cenas morosas, cheias de gestos simbólicos.

A história começa com Trudi, uma dona de casa alemã com ascendência japonesa, recebendo sozinha a notícia de que seu marido, Rudi, um pacato funcionário público, sofre de uma doença terminal. Enquanto decide se, como e quando conta isso a ele, ela o convence a fazerem uma viagem a Berlim para verem dois dos três filhos.
O encontro fornece o contraponto da alma alemã, com seus hábitos familiares frios e distantes, mas é a porção japonesa de Trudi, com seus gestos econômicos de maternal ternura, que domina as situações.
Quando Rudi consente em visitarem por mais uma vez o litoral, a morte chega, mas irônica, trapaceando.

Começa então a parte mais emocionante da história, com a viuvez precipitando uma viagem sentimental a Tóquio, onde mora o filho mais novo do casal. Assistimos enlevados às formas simbólicas encontradas pelo “cônjuge que ficou” de pagar a promessa da viagem nunca feita ao que se foi, ou de mostrar a alguém que não está mais no mundo o espetáculo das cerejeiras em flor, celebradas no ritual do Hanami.

Em uma praça da metrópole, uma japonesinha de 18 anos manifesta as saudades da mãe falecida dançando o butoh, a arte a que Rudi impediu Trudi de se dedicar por puro preconceito. A jovem Yu ensina que o butoh é a dança das sombras, que fala a linguagem da alma.

Estabelece-se então um elo entre dois extremos – o velho e o novo, o rude e o delicado – um cuidando do outro a seu modo, entendendo-se por meio de suas perdas.

É Yu quem conduz a viagem ao destino dos sonhos de Trudi, o Monte Fuji, que se esconde tímido atrás de nuvens durante dias até mostrar-se para uma dança final do butoh. Uma dança de amor, de saudades, de pura ternura…

De derreter o coração.

‘Little Dorrit’: mais Dickens na telinha

Acima, o elenco de ‘Little Dorrit’, minissérie da BBC adaptada da obra de Charles Dickens

Queria que a vida fosse tão justa quanto nos livros de Charles Dickens, que todos fossem tão flagrantemente bons ou maus, sem nuances. Quem dera todos os corações partidos continuassem apenas doloridos, mas sem mágoas – principalmente por quem o partiu – e honrados como de John Chivery, o apaixonado pela personagem-título de Little Dorrit“.

Dickens é mais conhecido por “Um Conto de Natal” (A Christimas Carol) – a clássica história dos fantasmas do passado, do presente e do futuro que visitam um velho avarento na noite de Natal adaptada algumas dezenas de vezes para cinema e TV – e um pouco menos por “Oliver Twist” e “Grandes Esperanças”, mas tive a sorte de ter acesso a outras menos conhecidas ainda, como Bleak House eNicholas Nichelby.

O cinema e a TV – sempre a BBC – apresentaram-me primeiro às suas obras, mas nunca contento-me enquanto não confiro suas versões literárias, sempre mais saborosas. Particularmente as de Dickens são, à primeira vista, melancólicas, mas revelam-se de uma fé adorável no ser humano. Cada personagem seu é ou apenas bom ou só mau, ou honrado ou desonesto, humilde ou fútil, mas mesmo os de pior caráter têm sua oportunidade de redenção e os que não a aproveitam recebem o que merecem.

A própria prosa literária de Dickens trai seu otimismo. Mesmo quando descreve situações infelizes, seu tom é de ironia ou humor, do estilo mais elegantemente inglês – a forma como descreve os primeiros anos de Oliver Twist é um ótimo exemplo.

Por isso não vejo a hora de deitar os olhos na versão literária de “Little Dorrit”, que acabo de assistir em formato de minissérie em 14 capítulos da BBC. Enquanto garimpo a internet à caça de ao menos um ebook da obra (já que não encontro uma tradução brasileira no mercado!!!), registro aqui a sugestão da minissérie para quem curte produtos de época tanto quanto eu.

A história se desenvolve em torno de um mistério que liga as vidas de uma idosa fanática religiosa entrevada em um cadeira de rodas, seu filho recém-chegado de uma longa temporada na China e a jovem costureira que esta senhora contrata. O filho é Arthur Clennam (Matthew MacFadyen, a quem já teci rasgados elogios neste blog desde que o conheci na pele de Mr. Darcy, na versão 2005 de “Orgulho e Preconceito”). Ele traz da China a notícia da morte de seu pai em alto mar e várias perguntas à mãe sobre o que significou o último pedido do moribundo para que entregasse um certo relógio à esposa acompanhado de uma única recomendação: “Conserte”.

Diante da recusa da mãe em esclarecer o que significou a mensagem, Arthur começa a investigar a estranha relação desta com a costureirinha humilde que ele descobre morar na prisão dos devedores, para onde o pai dela foi mandado desde antes de seu nascimento. Desenrola-se uma amizade que trará muitas reviravoltas à vida da “Pequena Dorrit” e, claro, o nascimento de um amor inconfesso (adooooro!).

É um deleite acompanhar histórias bem narradas, emolduradas por um figurino bem cuidado, uma reconstituição de época cuidadosa e, mais que tudo, imaginar-se em um mundo criado por Dickens.

‘X-Men ‘Primeira Classe’: ótimo cinema de ação

Nem deu tempo de me emocionar com a surpresa de finalmente ver imagens focadas (!?) em uma tela de cinema araraquarense (sim, nesta cidade é raro). “X Men – Primeira Classe” arrebatou minha atenção sem a menor cerimônia, logo nos primeiros minutos. Deixa eu ver se consigo traduzir o fenômeno de “bom cinema de ação” operado ali sem estragar a surpresa de quem ainda vai assistir: preparem-se para um roteiro inteligentíssimo, desenvolvido em ritmo ágil, apresentado com imagens e efeitos especiais irretocáveis, cenas de ação de tirar o fôlego – como a de um submarino sendo erguido acima do mar – e bonificado por lindos e FANTÁSTICOS atores.

Tá bom, vai, vamos admitir umas falhazinhas temporais no roteiro, como a de antecipar para logo após a primeira batalha dos X-Men a cisão do grupo entre Xavier e Magneto, esquecendo que no terceiro filme (“X-Men – A Última Fronteira”) ambos aparecem na casa da futura Dra. Jean Grey – ela ainda criança – mais velhos que neste“…Primeira Classe“, aparentando ainda serem parceiros, para cooptá-la como aluna da escola de superdotados. Detalhe: Xavier ainda andava.

Tirando essa baita incongruência e o fato de nenhum filme anterior ter dado qualquer pista de que Místika foi irmã de criação de Xavier, pode-se dizer que o roteiro constrói de forma plausível (se é que se pode usar este termo em uma ficção científica sobre mutantes superdotados) a gênese dos X-Men e todas as experiências que moldaram as personalidades de Xavier e Magneto. A forma como é apresentado o surgimento e desenvolvimento da amizade entre ambos também explica convincentemente o antagonismo respeitoso e reverente que sempre permeou a relação de suas versões maduras dos filmes anteriores.

Os raciocínios filosóficos sobre a diferença, os medos e repugnâncias que ela provoca, estão todos lá de volta, após terem sido substituídos pela enxurrada de testosterona do roteiro de “X-Men – Origens: Wolverine”.

Tudo bem que esperava mais embates filosóficos entre Xavier e Erik/Magneto sobre a melhor postura ante a incompreensão humana com o diferente. Não passou de comentários soltos de Erik sobre como a segregação começa com a identificação dos diferentes e continua com planos de extermínio em massa, a exemplo do que fizeram com judeus nos campos de concentração, e com Xavier limitando-se a repetir que “temos que estar acima disso”. Mas não deixa de ser um começo para quem já cultiva o (bom) hábito de refletir, independentemente do tamanho do estímulo.

Carisma aos montes

Já sabíamos que o ódio nascido na guerra era o motor dos planos de vingança de Magneto, mas apresentar Xavier como um jovem doutorando “boa praça” e conquistador, em contraponto à sua postura centrada da maturidade, foi divertidíssimo!

Se você achava impossível uma combinação de charme e piadas sobre mutações genéticas funcionar em cantadas a mulheres, espere até ver o Xavier de James McAvoy fazê-lo. Que Místika resistiria a tal par de olhos azuis e um carisma daqueles? Só não foi páreo para um Erik/Magneto lindo de morrer e orgulhoso de sua diferença, coisa de que a metamorfa estava sedenta.

Falando em carisma, o elenco masculino tem para dar e vender, dos mais jovens atores (destaque para Lucas Till, Caleb Jones e Nicholas Hoult) aos veteranos. As atrizes estavam apenas bem (exceção superlativa a Jennifer Lawrence/Místika… a garota é das boas), mas nada que se compare ao duelo de magnetismo travado a cada cena de James McAvoy e Michael Fassbender, na pele de Charles Xavier e Erik/Magneto, respectivamente.

Michael Fassbender (lembram dele na cena tensa do bar em “Bastardos Inglórios?) fez jus à distinção aristocrática do Magneto de Sir Ian McKellen. Kevin Bacon, então, que já não precisa provar mais nada em termos de talento, nos brindou com um daqueles vilões que AMAMOS odiar. Simplesmente irresistíveis… todos!

Ah sim… e para quem ficou no cinema para ver a cena extra do terceiro filme – aquela mesma que aparece após os letreiros correrem no fundo preto -, lembrem-se do nome que uma certa voz profere para a figura de branco ao lado de uma cama de hospital. A semelhança com o de uma personagem deste “…Primeira Classe” pode não ser mera coincidência (“Hello, M…”).

‘Incêndios’: dilacerante

A atriz Lubna Azabal em cena do filme de Dennis Villeneuve

Não é preciso entender a letra da música de abertura de “Incêndios” – filme do canadense Dennis Villeneuve que concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro – para senti-la como um lamento dolorido embalando as imagens de uma paisagem de rochas e vegetação pálida. Quando esta paisagem é emoldurada por uma janela, a câmera começa a percorrer um cômodo imundo até focalizar um grupo de garotos tendo suas cabeças raspadas, escoltados pelo que parecem ser soldados árabes armados. A música-lamento é quase uma personagem na cena…

De repente a câmera se fixa no calcanhar tatuado por três pontos pretos de um dos garotos e percorre seu corpo até alcançar o rosto. É de ódio mudo o olhar que as duas pupilas muito negras endereçam à câmera, sem pestanejar. O espectador ainda não entende do que se trata a história, mas já sabe que haverá dor, ódio, guerra.

Ficamos meio confusos quando o cenário muda drasticamente para um escritório contemporâneo, onde um testamenteiro lê para um casal de gêmeos as últimas vontades de sua mãe. A falecida pede à filha, Jeanne, que entregue uma carta lacrada a seu pai… e ao filho, Simon, que entregue outro envelope a seu irmão, sobre os quais nenhum dos dois sabia absolutamente nada a respeito até então.

Pelo diálogo rancoroso que se segue, percebemos que os gêmeos tinham questões mal resolvidas com a mãe, o que faz Simon recusar-se a cumprir a vontade que lhe cabe. Apenas Jeanne segue para o Oriente Médio para buscar pistas dos dois parentes, tendo à mão só o crucifixo e o passaporte que a mãe trouxe consigo ao imigrar para o Canadá.

Começa então o resgate da história de Nawal Marwan… movida ora pelo amor, ora pelo ódio, sempre em altas medidas. Ela é contada paralelamente às investigações de Jeanne, que, logo numa das primeiras indagações sobre seu pai – que faz na aldeia natal de sua mãe -, ouve de uma anciã: “Você procura saber sobre seu pai, mas não sabe quem foi sua mãe”. E lá vai ela descobrir como a mãe passou de uma ativista cristã pela paz para uma agente dos refugiados, motivada por “ensinar ao inimigo o que a guerra me ensinou”.

Ao dizer isso, Nawal refere-se à bestialidade primitiva que a guerra desperta nas pessoas, mesmo quando lutam em nome de uma religião que nasceu pregando o amor – foram guerrilheiros cristãos os autores do ato mais vil que Nawal testemunhou enquanto procurava seu filho por uma região em guerra e houve um incêndio relacionado.

Impossível não sucumbir à tristeza assistindo aos exemplos tão lamentáveis de intolerância e ódio que permeiam a vida de Nawal. Mesmo havendo uma mensagem de redenção pelo amor ao final, ainda era triste a sensação que me dominava quando os créditos do filme começaram a subir na tela. Não há nada mais dilacerante do que assistir ao que o ódio pode fazer com a vida das pessoas. Talvez por isso mesmo seja tão necessário fazê-lo. Quem sabe este espelho oferecido pelas histórias contadas nos faça, de algum modo, acordar e tomar partido.

‘A Onda’: tratamento de choque

Bruce Davison como o professor do primeiro filme “A Onda”, de 1981

Numa aula de história, um professor de Ensino Médio tenta explicar a alunos adolescentes de que forma regimes totalitários, como nazismo e fascismo, mantiveram-se por anos em alguns países, tutelados pela população. A platéia duvida da probabilidade daquele “engano coletivo” ocorrer em sua geração, “mais informada e inteligente” (ah… a arrogância da juventude!).

Não sei se saberei explicar direito porque esta história real – descrita em livro e transformada em filmes norte-americano (The Wave, 1981) e alemão (Die Welle, 2009) intitulados “A Onda” – me veio automaticamente à memória quando assisti hoje ao noticiário. Talvez as imagens de jovens comemorando a morte do terrorista Osama Bin Laden pelas ruas dos Estados Unidos tenham me lembrado a mesma ingenuidade e arrogância daqueles estudantes em sala de aula de “A Onda” – todos considerando-se tão acima de “enganos coletivos”, como se sempre fosse possível saber com clareza onde estão o certo e o errado… como se a morte de um único líder pudesse acabar automaticamente com o terror.

O professor do filme decide usar um método nada ortodoxo para mostrar a seus alunos como um regime repressor pode ser fomentado dentro da sociedade, a partir de uma ideia bem vendida e cultivada pela pressão do meio social. Começa sugerindo a criação de um clube, intitulado “A Onda”, cujo conceito vende com grande sedução. Afaga egos juvenis dando funções específicas para cada um dentro desta sociedade; confere sensações de importância e pertencimento ao propor regras de conduta a serem seguidas – e premiadas – por todos; cria distintivos, braçadeiras, uniformes, gritos de guerra, saudações gestuais, que lembram desde a paixão das torcidas organizadas até a disciplina de instituições militares (não por acaso, força na qual todo regime totalitarista se apoia).

Aos poucos, a inebriante sensação de tornar-se parte de algo importante contagia toda a escola. Torna-se cool pertencer à Onda. O nerd, o gordinho e outras minorias, que antes sofriam bullying por serem diferentes, agora são respeitados por também terem um cargo no clube (finalmente sentem-se inclusos!).

Nesta nova ordem, agir e vestir-se igual começam como decisões voluntárias que, aos poucos, tornam-se esperadas e, com o tempo, exigidas. Quando o próprio grupo começa a criar mecanismos de repressão de quem não se encaixa aos preceitos da sociedade (as vítimas de bullying, agora, são outras), o professor decide que é hora de um tratamento de choque.

O que “A Onda” tem a ver com Osama Bin Laden e as comemorações por sua morte? Aparentemente, nada, mas ajuda, assistindo ao filme, entender como se programam mentes de futuros Bins Ladens, que crescem ouvindo a doutrinação apaixonada de seus iguais, em sociedades blindadas à informação livre e engessadas pelo cerceamento de liberdades (de expressão, de imprensa, de ação, de pensamento…).

Entendendo os mecanismos de sedução em massa expostos no filme talvez nos tornemos menos ingênuos a ponto de acreditar que faríamos diferente se tivéssemos crescido na mesma sociedade… ou de crer que a morte de um único homem (ele sendo efeito e não causa de uma sociedade intolerante) representará o fim de uma engrenagem violenta – crer nisso, aliás, equivale a acreditar que o Rio de Janeiro viraria uma ilha de paz se apenas fossem mortos todos os líderes do crime nas favelas, mas continuassem a miséria e as desigualdades sociais e de acesso ao conhecimento e à educação (maiores fabricantes de excluídos).

Como escreveu Clóvis Rossi em seu artigo “A Morte não mata o discurso”, eliminar o combustível do fanatismo que armou Bin Laden começa por dar condições de vida mais dignas aos povos árabes. Eu acrescentaria a isso abrir suas sociedades para o conhecimento, em vez de simplesmente rotulá-las como inferiores e dar-lhes as costas, acreditando-nos muito superiores.

‘Flipped’: muito além de um amor de infância

Em um dicionário Inglês-Português da internet, “Flip” é traduzido tanto como um salto mortal da ginástica, quanto o ato de “atirar” ou de “lançar ao ar” uma moeda – ou, ainda,  “virar de posição”. Diferentes entre si, todos estes significados cabem, de alguma forma, no filme “Flipped” (“O Primeiro Amor” no Brasil), embora a protagonista use o termo mais como uma gíria sinônimo de “surtar” (“The very first time I saw Bryce Loski, I flipped”).

Com roteiro e direção de Rob Reiner (“Questão de Honra”, “Conta Comigo”, “Louca Obsessão”), o filme conta como um casal de vizinhos compartilha desencontros e descobertas dos 7 aos 13 anos de idade, nunca na mesma sincronia, com cada fase da relação mostrada sob o ponto de vista de um e outro.

Parece outra história de “menino conhece menina”, mas não é! “Flipped” vai muito além da narrativa de um amor de infância. Também é a história de como os jovens Juli e Bryce aprendem a refletir e, consequentemente, ver com novos olhares o mundo, as pessoas e a si mesmos.

Juli inicia este processo instigada de uma forma muito linda por seu pai. Enquanto pinta um quadro no quintal de casa, ele questiona a filha sobre o que ela vê em seu apaixonado para além da aparência. “Numa paisagem, o todo é mais importante do que a partes”, filosofa. O amigo idoso, Chet, elabora ainda mais a metáfora: “nos seres humanos, às vezes, o todo pode ser menor do que as partes”. A menina aproveita muito bem tais provocações, passando a refletir sobre o que a soma das partes de cada indivíduo à sua volta diz sobre eles.

Em Bryce o chacoalhão que o faz começar a pensar por si mesmo também é dado por Chet – não por acaso seu avô, que enxerga na pequena Juli o mesmo espírito transcendente da falecida esposa.

Como resultado das novas reflexões, Juli e Bryce vão trocando de posição (flip!) – ela recuando em sua intensidade à medida que passa a pesar mais suas escolhas… ele atirando-se mais nas experiências à medida que vai parando de pautar suas ações e julgamentos pela opinião alheia.

Superficial só na aparência, o filme está mais para um manual didático sobre a importância da reflexão no processo de aprendizagem propiciado pelas experiências. Prova, da forma mais encantadora, que quanto mais cedo se começa (a refletir), melhor!

Elizabeth Taylor: divindade de olhos violeta

E ainda pregam que deuses são imortais.

A divindade encarnada em Elizabeth Taylor deu seu último suspiro humano neste dia 23 de março de 2011… ainda não consigo me conformar com o fato de que este ícone da Hollywood que amo se foi.

Os jornais vomitam biografias ricas em escândalos conjugais, que ela soube colecionar como ninguém em seus oito casamentos (e vários affairs no meio). Mas a divindade que sempre venerei em Elisabeth Taylor foi a atriz, maior ainda do que sua escancarada beleza, em minha muito parcial opinião de fã.

Workaholic, Liz estrelou a marca impressionante de 70 filmes em 79 anos de vida (até se aposentar do cinema, na década de 1990, jamais passou um ano inteiro sem trabalhar), alguns dos quais figuram na galeria de títulos que marcaram minha memória afetiva. Outros tantos, porém, sequer conheço ainda, pela dificuldade de acesso à sua filmografia completa.

Aprendi a reconhecer Elisabeth Taylor em inúmeros títulos da “deliciosa” Hollywood de entre as décadas de 1940 e 60, antes mesmo de entrar no ensino primário, nas Sessões da Tarde das décadas de 1970 – saudoso período em que a Globo exibia “classicões” do grande cinema de todos os tempos.

Eu a via em suas várias idades em completa desordem cronológica, à mercê da programação: adulta e sensualíssima em “Gata em teto de zinco quente”, por exemplo, muito antes de reconhecê-la menina e ingenuazinha em “A Coragem de Lassie” e “A Mocidade é assim mesmo”.

(Photo by Sunset Boulevard/Corbis via Getty Images)

Lembro-me de me perguntar como os demais personagens tratavam como uma pessoa comum aquela deusa de olhos violeta brilhantes – de gata -, traços perfeitos e boca de coração… Achava Paul Newman um idiota por esnobá-la em “Gata…“, que assisti pela primeira vez antes de entender, com meu limitado repertório infantil, que eram sexuais as investidas que ele recusava.

Também a vi adolescente em “Quatro destinos”, décadas antes de descobrir que tratava-se de versão cinematográfica do clássico literário “Mulherzinhas”, de Louisa May Alcott, uma das muitas descobertas literárias às quais cheguei por meio do cinema.

Mais velha, pude entender a complexidade do roteiro de “O Pecado de todos nós” (Reflections in a Golden Eye): Liz corajosamente nua sobre um cavalo, tentando provocar a libido de dois homens – um deles Marlon Brando, lindo e louro, no auge do talento e da forma física… a razão da frieza de seu personagem para com a esposa fogosa a maior e retumbante surpresa do filme! O roteiro tinha aquele componente caro ao dramaturgo TennesseWilliams (apesar deste filme não ter assinatura dele) de mostrar claramente sem dizer de fato.

Em “Assim Caminha a Humanidade”, Liz segurava cenas tensas com o talentosíssimo James Dean e conseguia aparecer tanto quanto o gigante Rock Hudson – ela uma “tampinha” peituda e sem bunda, mas com curvas que sabia valorizar.

E foram muitos os clássicos com seu nome na ficha técnica. Por dois deles –“Disque Butterfly 8”, um conto de fadas amargo, e “Quem tem medo de Virginia Woolf”, em que conseguiram enfeiá-la para o papel principal – ganhou os dois únicos Oscars da carreira. Mereceu estes e outros que não ganhou, como para seus papéis em “De repente, no último verão” – ela vulnerável e psicologicamente traumatizada como a sobrinha que uma tia calculista queria lobotomizada; em “Adeus às ilusões”, como uma mãe liberal e pensadora que seduz o diretor de uma escola católica para garotos; sem falar no já citado “Gata em teto…” – ela derramando sensualidade para reconquistar o marido alcoólatra e a preferência do sogro moribundo.

Como sabia escolher bem seus filmes!!!

Pensando bem, os deuses devem ser mesmo imortais, pois a Liz Taylor que conheci continua por aí, naqueles filmes que embalaram uma vida inteira de enlevos cinematográficos. Devota que sou, cultuarei para sempre o glamour da Hollywood que ela representou.

Bravo, Aronofsky!

Mais de um mito clássico e teorias psicanalíticas já concluíram que todos temos dentro de nós a luz e as trevas… e que prevalece em nosso caráter a porção que escolhemos alimentar. É dessa dicotomia que trata “Cisne Negro”, ótimo suspense psicológico do diretor Darren Aronofsky que deu o primeiro Oscar de Melhor Atriz a Natalie Portman (mereceu!).

No papel da bailarina Nina, ela vive com uma mãe dominadora (Bárbara Hershey cheia de plásticas e botox), que claramente procura espelhar na filha seu desejo inalcançado de sucesso na carreira. De técnica irretocável, Nina seria a escolha óbvia para a personagem principal do clássico balé de repertório “O Lago dos Cisnes“, que sua companhia começará a montar. Mas, segundo o diretor artístico, Tomás (o francês Vincent Cassel), seu temperamento enrustido a impediria de convencer nos dois papéis exigidos da protagonista no espetáculo: o da princesa transformada em cisne branco, e o de sua irmã gêmea (a cisne negro), que seduz seu amado.

Uma reação impulsiva a um assédio, porém, faz o diretor finalmente apostar em Nina, que passa a ser muito exigida durante os ensaios. A pressão psicológica desperta alucinações, que dão pistas sobre as sombras que Nina traz dentro de si e tem tanto medo de encarar ou dar vazão, como se vivesse amedrontada pelo fantasma de si mesma.

O diretor Aronofsky – que fez aflorar a fragilidade em Hugh Jackman no belíssimo “A Fonte da Vida” e talento interpretativo de Mickey Rourke em “O Lutador” – tira de Natalie Portman a melhor atuação de sua carreira até aquele momento. E não digo isso por ser ela (e não uma dublê) quem dança em muitas das cenas de balé clássico do longa. Prestem atenção nas expressões que seu rosto assume depois que um ato extremo deixa aflorar seu “cisne negro”.

Também plasticamente o filme é lindo! Algumas cenas de balé – particularmente uma em que Natalie vai transformando-se em cisne negro em pleno palco – são de uma poesia visual arrebatadora. O diretor consegue fazer um filme introspectivo e grandioso ao mesmo tempo. Não é pouco,

Bravo, Aronofsky!

Christopher Nolan é o meu herói!

Definitivamente, o cineasta Christopher Nolan é o meu herói! Não assisti a um filme escrito e dirigido por ele que não fosse um primor de engenharia narrativa e um baita desafio à capacidade de raciocínio do espectador. Vejam, por exemplo, “Amnésia“, sobre um homem com perda de memória recente que sai à caça dos responsáveis pelo assassinato da mulher. Para lembrar seus objetivos, ele tatua mensagens para si mesmo no próprio corpo. Sensacional o expediente de filmar a história de trás para frente, para dar ao espectador a mesma sensação que tem o personagem ao “acordar”, a cada 15 minutos, em uma situação estranha sem ter absolutamente nenhuma memória de como foi parar nela.

Achei que, após sua série Batman, não havia como o diretor e roteirista elevar ainda mais o nível de seu trabalho até assistir “A Origem”. No filme, Leonardo DiCaprio interpreta um expert na invasão de subconscientes durante o sono para extrair segredos valiosos. Exilado por ser considerado um criminoso nos Estados Unidos, ele aceita a proposta de fazer o que ninguém em seu ramo conseguiu antes: “implantar” – a “Inception” (inserção) do título original – uma ideia no subconsciente de um herdeiro milionário, em troca de retornar livre para seu país e sua família.

Nolan arquiteta um roteiro tão engenhoso que precisei rever o filme para entender todas as partes. A ficção que ele constrói nas viagens pelos sonhos dos personagens é perfeitamente coerente nas alusões ao funcionamento do subconsciente humano. O diretor consegue costurar este jogo de simbolismos à história de um homem atormentado por um fantasma de seu inconsciente, que busca desesperadamente expiação, perdão e “voltar para casa”. Ainda tempera a trama com sequências de ação da melhor qualidade – tudo ao mesmo tempo.

Como se não bastasse, os efeitos especiais de “A Origem” são impecáveis. Em uma sequência de perseguição, por exemplo, dois personagens lutam corpo a corpo em um ambiente que literalmente “rola” em torno de seu próprio eixo devido à ausência de gravidade. Tudo bem que Fred Astaire já havia dançado antes por paredes (PARADAS) na década de 1950, mas os caras lutam por paredes em constante rotação!!! Não consigo nem de longe imaginar o tipo de coreografia de câmeras e cabos que foi necessária para simular tal efeito.
Genial, Nolan, genial!

Aí vem a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e indica “A Origem” em oito categorias do Oscar 2011 – entre elas as merecidíssimas de Melhor Filme e de Melhor Roteiro Original -, mas simplesmente “esquece” de indicar Nolan na de Melhor Diretor.
Lamentável Academia… lamentável!

Preste atenção nas várias interpretações que o simples aparecimento deste peão enseja nas últimas cenas do filme.

‘Inverno da Alma’ exala aridez

Se tivesse que descrever o filme  “Inverno da Alma” (Winter’s Bone, EUA, 2010) em uma única palavra seria “aridez”. Neste filme dirigido por Debra Granik, que concorreu ao  Oscar 2011 de Melhor Filme, tudo – do cenário às relações  – evoca secura e desolação. Seu maior mérito, porém, foi ter revelado ao mundo o grande talento interpretativo de uma jovem Jennifer Lawrence.

A história gira em torno das buscas que a adolescente Ree Dolly (Lawrence) empreende atrás de seu pai, desaparecido desde que saiu da prisão. Precocemente amadurecida pelas circunstâncias – cuida da mãe doente e cria os irmãos de 7 e 12 anos sozinha -, Ree tem urgência em encontrá-lo antes da data da audiência  que decidirá se sua família será despejada e separada pelo Estado.

A determinação com que a jovem entrega-se à investigação sobre o paradeiro do pai, mesmo sob ameaças de parentes criminosos é admirável. Sem derramar uma lágrima, a jovem visita e é visitada por policiais, traficantes e um agiota.

Florestas de galhos e folhas secos, chão duro de terra, pântanos gelados, clima frio e habitações pobres de madeira são os cenários percorridos por Ree durante suas buscas, intensificando a sensação de desolação que embala todas as cenas.

Jennifer Lawrence também foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz, que perdeu para atuação arrebatadora de Natalie Portman em “Cisne Negro”.  Sua interpretação é impressionante, combinando autoridade, coragem e ao mesmo tempo amor pelos seus em cenas extremamente tensas.

Pesado e triste, não é um filme fácil de ver, mas também quase impossível de abandonar. A tensão e a curiosidade por saber até onde aquela busca quase suicida levará nos acorrenta à trama. Vale a pena!