Categoria: CINÉLIDE

Como ‘Peggy Sue’

“Peggy Sue – Seu Passado a Espera” (Peggy Sue Got Married, 1986), de Francis Ford Coppola, foi um de meus primeiros cultos cinematográficos. Seu roteiro foi o primeiro que vi utilizar como argumento – copiado à exaustão muitos filmes depois – a volta da protagonista (Kathleen Turner – foto acima) a seu passado, com a memória de todo um futuro vivido e com o poder de reeditá-lo. Até então acreditava que eu e todos os adultos do mundo considerariam dar um braço ou perna por tal oportunidade.

Ainda tenho todos os meus membros no lugar, mas de uma forma torta, poética, mas não menos real, ganhei de presente minha própria oportunidade de reeditar 27 anos passados em minha cidade natal, após 14 de outros “sonhos felizes de cidades” – e nem precisei entrar em coma como Peggy Sue.

Foi acordada que confrontei, recentemente, as esquinas que me assistiram carregar dilemas adolescentes e duras lidas de início de carreira. Atrás delas reencontrei antigos e valiosos afetos, personagens caras não apenas por terem passado por minha vida, mas por terem me escolhido e aceito junto com toda a parafernália emocional confusa que vinha junto com minha amizade.

De uma dessas pessoas especiais ouvi, ao reencontrar: “Acho que amizade é isso, né? Parece que não passou tanto tempo… que te vi ontem”.

Descobri assim que gratidão é um sentimento tão bom de sentir quanto o amor e fiz as pazes com este passado que acreditei ruim por tantos anos. Cheguei à mesma conclusão de Peggy Sue: o passado não precisa ser reeditado e a vida segue exatamente o rumo que escolhemos – não há melhor!

Freddie Highmore cativa em romancinho

Há filmes de que gosto sobre os quais não escrevo simplesmente porque não consigo traduzir em palavras os motivos para terem me comovido. Alguns dos piores posts deste blog, aliás, são resultados de tentativas desastrosas de vencer esta limitação da palavra diante dos sentimentos que certas histórias despertam.
Mas não aprendo e lá vou eu de novo tentar justificar porque me enterneceu assistir ao romance adolescente “A Arte da Conquista”, de Gavin Wiessen.

Uma hipótese pode ser a presença no elenco de um Freddie Highmore deixando a infância, com a voz ainda rouca, em plena revolução hormonal da adolescência. O atorzinho de “Em Busca da Terra do Nunca”“O Som do Coração” (na cena à esquerda) sempre me comoveu em todos os filmes em que o assisti, não só pelo talento. Ele passa uma vulnerabilidade e uma verdade nos olhos que nos subjuga e cativa sem a menor chance de defesa.

Pode ter colaborado também o apelo infalível do personagem deslocado – quem foi um na fase escolar sempre se identifica -, no caso o adolescente George, super-inteligente, mas desinteressado de todos os aspectos práticos da vida por acreditar que é tudo de uma grande inutilidade considerando-se que todos nascemos e morremos sozinhos.

Impossível não acompanharmos expectantes ele se deixar experimentar um pouco da vida mundana de adolescentes comuns levado pela nova amiga Sally – uma loirinha linda que se interessa por aquele garoto estranho que a salva de ser pega fumando na escola.

Podem ser todas as hipóteses acima juntas e mais a cena que, para esta romântica incurável, valeu o filme todo: uma simples e nada original declaração de amor que termina assim: “Antes eu não era nada… era menos que nada. Você mudou isso”.
Eu sei, assim, fora de contexto, parece piegas, mas dê-se a chance de ver Highmore com sua expressão de sinceridade desconcertante e pura proferi-la com os olhos marejados e TALVEZ você entenda do que estou falando.

P.S. Até agora não entendi a escolha do título do filme.

‘50%’ é sobre câncer, mas não é drama

Se você também acha impensável um filme cujo protagonista tem câncer não encaixar-se na categoria drama, precisa assistir a “50%” (50/50). Apesar de a doença estar presente por toda a narrativa, não há uma cena lacrimejante no filme assinado pelo jovem diretor Jonathan Levine. Aliás, bem ao contrário…

Com Seth Rogen e a talentosa Anna Kendrick no elenco, o filme tem ótimos momentos de comédia e ensaia algum romance, mas não assume nem uma coisa nem outra. A falta de rótulos, porém, não faz nenhum mal à narrativa e até garante um frescor de originalidade ao roteiro de Will Reiser.

“50%” é mais a história de como o jovem jornalista Adam (Joseph Gordon-Levitt), de 20 e poucos anos, aprende a enxergar e a valorizar seus verdadeiros afetos quando é confrontado com a descoberta de que tem um câncer na coluna – o título refere-se à probabilidade de Adam sair do tratamento com vida. Não fosse a doença, ele não enxergaria a superficialidade de seu relacionamento com a artista plástica Rachael (Bryce Dallas-Howard), nem a força da amizade do colega de trabalho Kyle – à primeira vista um brucutu sem profundidade – e ainda perderia muitos anos fugindo do afeto super-protetor, mas genuíno, da mãe (Angelica Huston).

Gosto de pensar que a leveza com que o filme aborda um tema tão espinhoso seja uma armadilha do roteirista para fisgar a atenção das gerações Y e Z – tão superconectadas à tecnologia e desconectada dos afetos – para o que realmente importa na vida. Torço para que esta geração individualista e meio egocêntrica entenda o recado.

‘Tão forte e tão perto’: MARAVILHOSO!

“Tão forte, tão perto” é uma jóia de história filmada por Stephen Daldry (dos também excelentes “Billy Elliot”, “O Leitor” e “As Horas”), mas não deve ser entendida com a razão e sequer no âmbito do consciente. É preciso deixar seus sentidos e emoções acompanharem as expedições do garoto Oscar Schell (Thomas Horn), que parte em várias buscas pela cidade de Nova York após a perda do pai. Primeiro pelo sexto município de Nova York, que o pai diz ter flutuado para longe; depois da fechadura na qual se encaixe uma chave que ele encontra entre os pertences do falecido.

O inconsciente – regido e regente das emoções – se encarrega de nos conectar aos significados embutidos nas buscas do garoto com Síndrome de Asperger (verão mais funcional do espectro autista), que sai pela metrópole encarando seus medos para tentar dar sentido a uma perda. No processo, ele conhece pessoas de todos os tipos, inclusive o avô (Max Von Sydow, divino!) que nunca conhecera. Ainda redescobre a mãe (Sandra Bullock), que mantinha à distância de sua relação simbiótica com o pai (Tom Hanks).

Claro que não entregarei qual grande descoberta ele faz ao final, mas posso adiantar que a solução de uma de suas expedições é uma metáfora valiosa que o pai deixa como ensinamento derradeiro.

Que maravilhoso descobrir que a indústria do cinema ainda é capaz de produzir filmes tão profundos e sensíveis!

Apostei no último post que “A Invenção de Hugo Cabret” seria o grande vencedor do Oscar deste ano – e talvez seja mesmo, pelos motivos comerciais que elenquei -, mas minha torcida ficará com “Tão forte e tão perto”. Simplesmente MARAVILHOSO!

Homenagem poética às origens do cinema


Acho que acabo de assistir ao vencedor do Oscar 2012 de Melhor Filme: “A Invenção de Hugo Cabret”, de um Martin Scorsese completamente fora de seu estilo habitual de cinema.

Confesso que, apesar de considerá-lo um mestre nas técnicas cinematográficas, não sou fã da maioria das histórias filmadas pelo diretor dos violentos “Táxi Driver”, “Touro Indomável”“Os Infiltrados”. Concordo que seus filmes figuram entre os melhores já produzidos pela indústria norte-americana, mas, salvo “A Época da Inocência” e “A Ilha do Medo”, os roteiros que filmou antes de “O Aviador” transbordam muito sangue e testosterona para o meu gosto pessoal.

Mas “A Invenção de Hugo Cabret” é diferente de tudo o que o cineasta já fez. Baseado em um livro infantil homônimo, costura uma série de homenagens à história da sétima arte enquanto narra as aventuras de um órfão que vive incógnito dentro do relógio da estação de trem de Paris, na década de 30.

Quando tem seu caderno de anotações roubado pelo dono de uma oficina de brinquedos instalada na estação, Hugo (Asa Butterfield) conhece a neta dele (Chloe Moretz), com quem iniciará uma aventura para solucionar um mistério envolvendo o robô que herdou de seu pai morto e o avô da menina.

É lindo acompanhar o raciocínio infantil – portanto simples e singelo – que leva Hugo a decidir-se por ajudar a “consertar” a vida do papa George (Ben Kingsley, sempre galante), que como um relógio quebrado, amarga a perda de sua função no mundo.

Impossível não se enternecer.

Mas quem ama cinema para além da telona também conseguirá divertir-se identificando referências à sétima arte, como a música do clássico“A Grande Ilusão” (Jean Renoir, 1937) tocando no café da estação e a apropriação de George Meliès – ilusionista que tornou-se um dos precursores dos efeitos especiais nos primórdios do cinema – como um dos personagens-chaves da história.

Em uma sequência, aparecem entre os frequentadores da estação nada menos que o escritor James Joyce, o líder político britânico Winston Churchill e o guitarrista belga Django Reinhardt.

Também uma instituição do cinema, o veteraníssimo ator Christopher Lee faz uma belíssima participação especial como o livreiro Labisse (que timbre magnífico de voz ele continua a ter!).

E a fotografia, belíssima, é um espetáculo à parte.

Enfim, são homenagens demais ao cinema para não derreter os corações dos votantes do Oscar, que obviamente se sentirão tão homenageados quanto, já que são parte desta indústria de sonhos.

Recentemente, li a uma entrevista de Scorsese dizendo que o cinema salvou sua infância solitária, enchendo-a de magia. Identifiquei-me imediatamente! O cinema e os livros também fizeram companhia à minha infância solitária, a ponto d’eu nem perceber que era solitária (só depois de crescida me dei conta… rs). Os filmes fizeram-me companhia até antes dos livros, já que me acompanham desde antes da alfabetização.

Ah e como foi bom viajar nesta arte mágica! Quem tem esta relação com cinema, vai resgatá-la, como eu, assistindo ao filme de Scorsese…

‘Histórias Cruzadas’: tocante!

“Histórias Cruzadas” (The Help) traz a então promissora Emma Stone no primeiro papel sério de sua carreira no cinema e uma história inspiradora de sororidade.

Emma interpreta Skeeter, jovem recém-formada em Jornalismo e única solteira e sem filhos de uma turma de amigas que se conhece desde a infância, na pequena cidade de Jackson, no Mississipi (EUA). No início dos anos 1960, quando vigoravam naquele Estado leis de segregação – proibindo, por exemplo, que negros partilhassem com os brancos desde livros e poltronas de ônibus a banheiros -, ela decide escrever um livro mostrando o ponto de vista das empregadas negras que trabalham para famílias brancas e são obrigadas a conviver com todo tipo de discriminação. Foi inspirada pela falta que lhe faz sua babá negra, que não reencontra ao voltar pra casa da faculdade.

Inicialmente, Aibeleen (Viola Davis, estupenda!) e Miny (Spencer), empregadas de duas de suas amigas, são as únicas a aceitarem o risco de infringir a lei por reunirem-se com uma branca para contar suas histórias de vida. A coragem surgirá a seu tempo, despertada por uma série de acontecimentos e injustiças envolvendo discriminação e ódio racial, tanto no País quanto na pequena Jackson. Em meio a eles, Skeeter, Minny e Aibelleen conhecem o melhor e o pior das pessoas de suas relações.

Vale a pena conferir.

‘Precisamos falar sobre o Kevin’: perturbador

Woooow!

Desculpem se tento reproduzir paupérrimamente o som alto do meu respiro em busca de ar após ler à última linha do livro “Precisamos falar sobre o Kevin”, de Lionel Shriver (adianta dizer que procurei o e-book motivada pelo trailer do filme, para justificar a introdução da literatura neste blog inicialmente só de cinema?). É na melhor das intenções que tento prevenir leitores/espectadores impressionáveis como eu sobre sua história emocionalmente devastadora.

Foi ao mesmo tempo intoxicante e cáustico submergir na descrição honesta de uma mãe sobre a guerra psicólogica, muda e não-declarada que travou com o próprio filho sociopata durante 15 anos de suas vidas.

Em cartas endereçadas ao marido, a empresária e mãe de família Eva Katchadourian inventaria sua vida familiar desde a decisão – vacilante de sua parte – de terem um filho, até a tarde de uma quinta-feira que mudou para sempre toda a sua vida e as de outras 11 famílias que perderam entes queridos no assassinato em massa levado a cabo por seu filho adolescente.

Entre lembranças, sentimentos e questionamentos desconcertantemente honestos, Eva descreve também suas visitas ao filho na casa de correção para menores, a atenção da mídia ao caso e as reações dos outros a ela mesma após a tragédia, que variam de uma maquinal piedade cristã à uma condenação feroz. Tudo embalado em um robusto, talentoso e saborosamente bem escrito texto (ah… isso sempre me pega!).

Engolfada em aflições por Eva – sempre entro demais nas histórias -, varei a noite com olhos e mentes colados à narrativa, que eu não recomendaria a pais incautos ou candidatos vacilantes aos postos. Os questionamentos com que Eva tempera seu inventário de culpas são tão legítimos que podem facilmente abalar concepções idealistas de família, carreira, maternidade, paternidade e afins, para o que o personagem de seu marido (o típico pai-americano-ideal, sempre pronto a acreditar nas boas intenções do filho em detrimento das leituras certeiras da mulher) não contribui em nada.

Mas o autor guarda uma armadilha aí, que, claro, não contarei aqui, pois ela se revela no fim do livro. Mas posso adiantar que a narrativa nos brinda com raras sugestões de que Kevin não é completamente destituído de sentimentos como todos os seus pequenos atos vis em família ou em seu círculo social fazem crer. É como se (e esta interpretação é inteiramente minha) todo o seu calculismo e vilania se prestassem ao único objetivo de atingir a mãe, mais com o objetivo de conseguir sua aprovação e admiração do que pelo ódio que faz questão de demonstrar.

Será que estrago alguma coisa ao contar que, quando acreditamos que nada será pior do que o assassinato em massa de Kevin, o autor nos brinda com um clímax ainda maior perto do final?

Peço desculpas se for o caso, mas não resisto a justificar minha total reverência à construção narrativa do autor.

Para resumir, apesar de ter sido uma das experiências literárias mais desconfortáveis que já tive, “Precisamos falar sobre o Kevin” figurará, para sempre, na minha galeria pessoal de leituras inesquecíveis.

‘Sherlock’: de volta e arrebentando!

Demorou mais do que o prometido, mas a sensacional série “Sherlock”, que adapta as aventuras do clássico detetive de Arthur Conan Doyle para a Londres do século 21, está de volta. A BBC havia prometido a segunda temporada da série para outubro do ano passado (leia post sobre a primeira clicando aqui), mas o primeiro episódio saiu só agora.

E chegou arrebentando…

O ritmo frenético das investigações, o inteligente humor inglês (adoooro!) e a ótima química entre os atores Benedict Cumberbatch e Martin Freeman (o Bilbo Bolseiro de “O Hobbit”, em cartaz no Brasil) estão todos lá.

Pelo que apurei na internet, esta temporada deve manter o formato, de apenas três episódios de 1h30 cada. O primeiro,“A Scandal in Belgravia”, começa de onde o último da temporada anterior terminou, na piscina onde Watson, Holmes e Moriarty se defrontaram.

É por meio de seu inimigo número 1 que o detetive conhecerá a personagem clássica que faltava: a fatal Irene Adler (Lara Pulver), que na série clássica compartilha com Holmes jogos de gato-e-rato e admiração mútua.

Nesta versão contemporânea, a golpista é uma dominatrix (prostituta especializada em sadomasoquismo), que guarda em seu celular podres de algum membro notável da realeza britânica. O jogo de gato-e-rato que ela “brinca” com Holmes durante todo o episódio é empolgante!

Um dos aspectos que mais admiro nesta produção é a facilidade com que o uso da parafernália tecnológica desta era da informação foi inserida nas aventuras sem comprometer o que este clássico tem de mais atraente: as tramas cerebrais. As mensagens em celulares, as buscas de Holmes na internet são apenas coadjuvantes de seu brilhante método de raciocínio.

Mais uma vez, valeu BBC!

Receitinha grandiosamente embalada por QUEEN

Quando ouvi aquele “Yeahhhh… anybodyyyyyyyyyyyy...” cantado em coro operístico em tom crescente na abertura de “Love Birds”, não deu outra: sabia que ia gostar daquele filme neozelandês de sinopse fraquinha, mas com o trunfo imbatível de ter o personagem principal fanático pelo grupo QUEEN – minha banda favorita entre todas (e olhe que gosto de muita coisa!).

Começar ao som de “Somebody to love” – uma entre tantas obras-primas do rock operístico do grupo – foi matador. Fez-me simpatizar de cara com o personagem Doug, um empreiteiro de mão-de-obra que leva um fora da namorada por não ter grandes ambições na vida.

Sua fossa começa grandiosamente bem, ao som de “It’s a Hardlife”. Quando decide curtir a dor-de-cotovelo adotando um pato que cai ferido sobre seu telhado, aprende a lidar com ele ao som de “Crazy Little Thing Called Love”.

É através da ave que Doug conhece a zoóloga Holly (a atriz inglesa Sally Hawkins), com quem passa a sair. Quando a apresenta aos amigos, ela o tira para dançar na introdução de “Don’t Stop me Now”, que começa linda e lenta para virar um rockão eletrizante em seguida.

Doug leva o novo animal de estimação para todo o lado ouvindo o que ao rádio?… de “I Want to Break Free” a“Who wants to live forever”, as gravações mais populares do Queen. Suas músicas, aliás, tocam nas cenas mais importantes e/ou engraçadas. Tem até uma hilária perseguição de bicicleta ao som da performática “Bicycle Race”.

Tudo bem que o filme segue a receitinha de toda comédia romântica: moço conhece moça, ambos se apaixonam e encontram, no meio do caminho, um complicador que os fará descobrir que foram, afinal, feitos um para o outro.

Não faz mal, porque sua realização é correta e grandiosamente embalada pela trilha sonora do grupo inglês. Os atores são até convincentes, apesar do pesadíssimo sotaque neozelandês, e o final é IMPAGÁVEL, com um clipe em que todos os personagens dublam “Princess of the universe” em performances caricatas engraçadíssimas!

Enfim, “Love Birds” cumpriu o que prometeu: divertiu-me muuuuito.

Valeu!

Um (lindo) Conto Chinês

Desde que o assisti em “O Segredo dos seus Olhos”, procuro ver todos os filmes com Ricardo Darín de que tenho notícia. No último sábado, foi a vez de encantar-me com “Um Conto Chinês” (Um Cuento Chino), com roteiro e direção do espanhol Sebastián Borensztein e atuação coadjuvante de Ignacio Huang – o mestiço com o olhar mais doce que já vi em uma tela.

Darín é Roberto, o proprietário recluso e mal humorado de uma loja de ferragens na periferia de Buenos Aires (Argentina. Ele que tem como passatempos colecionar notícias de tragédias absurdas publicadas em jornais e miniaturas de cristal ofertadas à memória da mãe falecida. Um dia, o acaso o leva a acolher em sua casa um chinês que chega à cidade à procura de seu único parente vivo, mas descobre que ele não mora mais no mesmo endereço.

Enquanto aguardam a embaixada chinesa localizar o tio de Jun, estabelece-se uma amizade estabanada entre o chinês que não fala uma palavra de espanhol e o argentino que não entende nada de mandarim, que no início  sente-se muito incomodado com aquela interferência em seu cotidiano sempre igual. Acabaremos descobrindo que ambos sofreram perdas trágicas em suas vidas, das quais tentam emergir e sobreviver de formas diametralmente opostas.

Quando o tão desejado encontro do tio de Jun acontece, a cena em que os parentes se reconhecem por telefone não tem o menor recurso cênico, mas a voz dolorida do chinês é suficiente para arrancar lágrimas, mesmo sem entendermos mandarim.

Jun se vai, mas não sem antes deixar uma mensagem sem palavras para o ermitão. Claro que não vou entregar que mensagem é esta. Basta saber que ela funciona como uma pancada, que acorda Roberto para o que está abrindo mão por puro medo de se expôr à vida e que é de uma sutileza e um simbolismo arrebatadores.