Silvia Pereira Pelegrina

Jornalista com 30 anos de experiência em redações, blogueira de cinema, séries e literatura e desde 2022 também assessora de comunicação; Silvia Pereira adora ouvir, ler, assistir e - principalmente - escrever histórias.

Publicações do autor

‘Deus da Carnificina’: a violência nas palavras

“Deus da Carnificina”, de Roman Polanski, lembrou-me em vários momentos o clássico “Anjo Exterminador”, com seus personagens despedindo-se o tempo todo, mas voltando sempre para a mesma sala, como se prisioneiros de uma força invisível. Também como no clássico de Luís Buñuel, as personagens, representantes de uma elite abastada, vão despindo-se gradativamente do verniz de civilidade à medida que medem forças.
Só que a arena de Polanski é outra. Em vez de uma mansão lotada de burgueses, temos a sala de um apartamento de classe média alta na qual se encontram quatro personagens: os casais formados por Penelope (Jodie Foster e John C. Reilly) e Michael e Nancy e Alan Cowan (Kate Winslet e Christoph Waltz). Motivo: uma conciliação entre pais, após o filho de um ter agredido violentamente o de outro.
O roteiro de Yasmina Reza – mesma autora da peça que deu origem ao filme – mantém toda a ação entre as quatro paredes e sustentada essencialmente sobre os diálogos entre os dois casais.
A cortesia claramente forçada que os quatro encenam no início vai se esgarçando bem aos poucos, conforme um personagem pega a “deixa” de uma insinuação de outro. Os temas das discussões mudam o tempo todo, bem como as configurações de enfrentamento, ora casal x casal, ora maridos x mulheres – a certa altura com a ajuda libertadora de um whisky escocês 18 anos.
O desafio do espectador é conseguir assistir a tudo sem se questionar se, no lugar de qualquer um deles, conseguiria manter a compostura. Os diálogos mostram como a palavra pode ser tão agressiva quanto ações físicas.

Kate Winslet, Jodie Foster, John C, Reily e Christoph Waltz em ‘Deus Da Carnificina’

“Deus da Carnificina”, de Roman Polanski, lembrou-me em vários momentos o clássico “Anjo Exterminador”, com seus personagens despedindo-se o tempo todo, mas voltando sempre para a mesma sala, como se prisioneiros de uma força invisível. Também como no clássico de Luís Buñuel, as personagens, representantes de uma elite abastada, vão despindo-se gradativamente do verniz de civilidade à medida que medem forças.

Só que a arena de Polanski é outra. Em vez de uma mansão lotada de burgueses, temos a sala de um apartamento de classe média alta na qual se encontram quatro personagens: os casais formados por Penelope e Michael (Jodie Foster e John C. Reilly) e Nancy e Alan Cowan (Kate Winslet e Christoph Waltz). Motivo: uma conciliação entre pais, após o filho de um ter agredido violentamente o de outro.

O roteiro de Yasmina Reza – mesma autora da peça que deu origem ao filme – mantém toda a ação entre as quatro paredes e sustentada essencialmente sobre os diálogos entre os dois casais.

A cortesia claramente forçada que os quatro encenam no início vai se esgarçando bem aos poucos, conforme um personagem pega a “deixa” de uma insinuação de outro. Os temas das discussões mudam o tempo todo, bem como as configurações de enfrentamento, ora casal x casal, ora maridos x mulheres – a certa altura com a ajuda libertadora de um whisky escocês 18 anos.

O desafio do espectador é conseguir assistir a tudo sem se questionar se, no lugar de qualquer um deles, conseguiria manter a compostura. Os diálogos mostram como a palavra pode ser tão agressiva quanto ações físicas.

‘A Hora Mais Escura’: caçada ao terror

Um helicóptero de elite pousa em uma base americana montada em um ponto qualquer do Oriente Médio para embarcar apenas uma tripulante. O piloto comenta com a ruiva de aspecto frágil e solitário que o espera: “Você deve ser importante”. Mas quando ele pergunta para onde deve levá-la, ela estaca, perdida.
Tampouco o espectador  de “A Hora Mais Escura”, que estreia amanhã nos cinemas de Ribeirão Preto, saberá responder onde fica o lar da agente especial Maya, mas entenderá o porquê de sua hesitação. A esta altura do filme, ele já terá acompanhado sua busca obstinada pelo paradeiro do inimigo número 1 dos Estados Unidos desde o fatídico 11 de setembro de 2001. Sabe que ela passara os últimos anos sem parada fixa ou tempo para cultivar relações de qualquer outra natureza que não a profissional. Então fica fácil entender sua dificuldade em estabelecer um lugar que se assemelhe minimamente a um lar.
O filme discorre sobre as investigações que culminaram na captura e morte de Osama bin Laden, líder da organização terrorista Al Qaeda, responsável pelas quase 3 mil mortes decorrentes dos ataques às torres gêmeas, em Nova Iorque.
No entanto, os holofotes estão sobre a jovem veterana da CIA – na casa dos 30 anos, foi recrutada no Ensino Médio -, que ora acompanha ora comanda interrogatórios a prisioneiros nos quais a tortura é utilizada com naturalidade.
O roteiro é direcionado a pintá-la como um daqueles heróis anônimos que Hollywood adora exaltar. Desacreditada quando começa a perseguir a trilha de um mensageiro do líder terrorista, ela insiste na pista e exige atenção.
É quando o filme, que começa arrastado entre imagens de tortura e perseguição de pistas falsas, ganha ritmo e evolui para um eficiente thriller de ação e espionagem. Mas permanecem, em meio  às atitudes agressiva e obstinadas de Maya, a dúvida sobre quais são suas motivações: patriotismo, ambição…?
Eis a questão
Ao final da operação que capturou bin Laden, os fuzileiros que a colocaram em prática estão reunidos na base compartilhando o orgulho e a sensação de dever cumprido. Maya caminha entre eles como se não fizesse parte do grupo. Parece não saber para onde ir.
É como se a diretora Kathryn Bigelow a usasse como um espelho dos Estados Unidos pós-caça ao terror e lançasse ao mundo a pergunta: “para onde este país quer ir agora?”.
a hora mais escura 1

Jessica Chastain é a agente da CIA Maya

Um helicóptero de elite pousa em uma base americana montada em um ponto qualquer do Oriente Médio para embarcar apenas uma tripulante. O piloto comenta com a ruiva de aspecto frágil e solitário que o espera: “Você deve ser importante”. Mas quando ele pergunta para onde deve levá-la, ela estaca, perdida.

Tampouco o espectador  de “A Hora Mais Escura” saberá responder onde fica o lar da agente especial Maya, mas entenderá o porquê de sua hesitação. A esta altura do filme, ele já terá acompanhado sua busca obstinada pelo paradeiro do inimigo número 1 dos Estados Unidos desde o fatídico 11 de setembro de 2001. Sabe que ela passara os últimos anos sem parada fixa ou tempo para cultivar relações de qualquer outra natureza que não a profissional. Então fica fácil entender sua dificuldade em estabelecer um lugar que se assemelhe minimamente a um lar.

O filme discorre sobre as investigações que culminaram na captura e morte de Osama bin Laden, líder da organização terrorista Al Qaeda, responsável pelas quase 3 mil mortes decorrentes dos ataques às torres gêmeas, em Nova Iorque.

No entanto, os holofotes estão sobre a jovem veterana da CIA – na casa dos 30 anos, foi recrutada no Ensino Médio -, que ora acompanha ora comanda interrogatórios a prisioneiros nos quais a tortura é utilizada com naturalidade.

O roteiro é direcionado a pintá-la como um daqueles heróis anônimos que Hollywood adora exaltar. Desacreditada quando começa a perseguir a trilha de um mensageiro do líder terrorista, ela insiste na pista e exige atenção.

É quando o filme, que começa arrastado entre imagens de tortura e perseguição de pistas falsas, ganha ritmo e evolui para um eficiente thriller de ação e espionagem. Mas permanece, em meio às atitudes agressivas e obstinadas de Maya, a dúvida sobre quais são suas motivações: patriotismo, ambição…?

Eis a questão

Ao final da operação que capturou bin Laden, os fuzileiros que a colocaram em prática estão reunidos na base compartilhando o orgulho e a sensação de dever cumprido. Maya caminha entre eles como se não fizesse parte do grupo. Parece não saber para onde ir.

É como se a diretora Kathryn Bigelow a usasse como um espelho dos Estados Unidos pós-caça ao terror e lançasse ao mundo a pergunta: “para onde este país quer ir agora?”.

“A Hora Mais Escura”  foi indicado aos Oscar de Melhor Filme, Atriz (Jessica Chastain), roteiro original, edição e edição de som, mas saiu da festa sem nenhuma estatueta.

Um certo impostor chamado Shakespeare

Algo em um comentário de Rubens Ewald Filho, sobre o roteiro contestar a autoria da obra atribuída a William Shakespeare, chamou minha atenção para o filme “Anonymous” (“Anônimo”), dirigido por um Roland Emmerich irreconhecível. Mais do que o argumento, os apelos combinados de “trama de época” + “teatro como pano de fundo” atraíram-me com a perspectiva de um filme que enaltecesse a palavra e valorizasse as interpretações – características que nunca fizeram o estilo do diretor de “2012”, “10.000 a.C”, “Independence Day” e “Stargate”.

Para minha total surpresa, foi exatamente o que encontrei em“Anônimo”, que transforma Shakespeare em personagem secundário, rebaixando-o a um ator semi-analfabeto e chantagista, cuja maior esperteza é agarrar a chance de assumir a autoria das peças que um nobre apaixonado por literatura e poesia escrevia clandestinamente, para não envergonhar a família.

Rhys Ifans (o semi-retardado colega de Hugh Grant em “Nothing Hill”) – também irreconhecível, porém convincente em papel dramático – interpreta o Conde de Oxford, um protegido da Rainha Elisabeth I criado para ser um grande estadista, que frustra os planos de seu tutor graças à sua paixão pela escrita. Sua única forma de realização é doar as peças que escreve para montagem por uma companhia de teatro londrino, sem nunca poder assumir sua autoria ou aceitar os aplausos por elas.

No começo, o filme parece abordar apenas uma paixão subserviente à arte, mas sua história começa a se entrelaçar com a política da época quando o autor descobre a capacidade do teatro em traduzir para o povo a sua própria realidade.

Assim é que o teatro assume, em plena era elisabetana, sua função subversiva, tornando-se ao mesmo tempo palco e agente de transformações políticas.

Já disse neste blog que a obra de Shakespeare não me atrai por questão de preferência estética, mas não atrevo-me a negar sua importância para a história do teatro e como alegoria das paixões e arquétipos humanos. Foi divertido vê-la adaptada a um contexto histórico fictício.

Destaque para as interpretações de Vanessa Redgrave (grande dama do teatro e do cinema inglês) e Joely Richardson – mãe e filha da vida real – como Elisabeth em duas idades diferentes e para as de Sebastian Armesto (o autor Ben Johnson, depositário do segredo do conde-autor) e Rhys Ifans.

‘Indomável Sonhadora’: miséria e poesia

 

Indomável Sonhadora” (Beasts of the Southern Wild) não é um filme fácil de assistir.

Esqueça aquela cenografia plástica e perfeita do cinema. O diretor Benh Zeitlin mostra sem filtros, de uma forma naturalista, a pobreza em que vivem moradores de barracos às margens do rio Mississipi, numa localidade que os personagens chamam Bathtub.

Ali, próximos a uma barragem, a pequenina Hushpuppy, de cerca de 5 anos, costuma navegar com seu pai a bordo da carcaça de uma velha camionete transformada em barco, refletindo sobre o “povo do outro lado”.

É um cenário de miséria o que Hushpuppy habita com a maior naturalidade e resignação, como se não houvesse outro possível – ou sequer desejável.

Seu mundo só sofre um abalo quando ela estranha a ausência do pai por um dia inteiro. Quando ele reaparece, envolto em um camisolão de hospital e com uma pulseira de identificação no braço, começa a desconfiar que algo em seu mundo está sob ameaça.

Não demora para que monstros (as bestas do título original) de uma história, contada pela professora que dá aulas à beira do rio, passem a povoar suas divagações, como uma metáfora do seu medo do que está por vir.

E vem muita coisa… tempestade, inundação, destruição e a união dos vizinhos sobreviventes em um “acampamento” improvisado numa palafita.

Toda a realidade é processada pelo olhar ingênuo de Hushpuppy e traduzida por sua narrativa em off, de uma sabedoria pura e ingênua…

A cena do enfrentamento de seu maior medo é pura poesia visual. Tiro o chapéu para Ben Zeitlin por conseguir conjugar imagens de miséria, narrativa poética e metáforas visuais.

‘Lincoln’ humaniza personagem

Com mais uma atuação hipnótica de Daniel Day Lewis, “Lincoln” estreou nos cinemas brasileiros cacifado por 12 indicações ao Oscar 2013, entre elas as principais, de Melhor Filme e Direção, para Steven Spielberg, e as de ator e atriz coadjuvante – Lewis e Sally Field (Mary Todd). Só levou duas: Melhor Ator  e Design de Produção.

Para olhos habituados à obra do diretor norte-americano é fácil identificar traços de seu preciosismo. A direção é corretíssima, sem nenhuma “gordura” para deixar a narrativa enfadonha, mas, talvez por isso mesmo, resulta pouco emocionante.

O foco está sobre o personagem, que Spielberg tenta humanizar mostrando em situações de bastidores, tanto em família quanto na condução de um País que enfrenta o quarto ano de guerra civil.

Ironicamente, a paz aparece como uma ameaça à aprovação da 13ª emenda, que abole a escravidão nos Estados Unidos e que Lincoln ambiciona fazer passar. Por isso a maior parte do filme o presidente passa regendo – primeiro de longe e ao final, pessoalmente – a engrenagem política que determina como o Congresso Nacional aprovará cada nova lei.

‘As Vantagens de Ser Invisível’: adoráveis desajustados

O talento de Emma “Hermione” Watson, da série Harry Potter, dispensa comentários. Já quem arrepiou-se com a interpretação de jovem psicopata de Ezra Miller em “Precisamos Falar Sobre Kevin” ou achou que Logan Lerman só sabe interpretar personagens confiantes e carismáticos como Percy Jackson e D’artagnan (“Os Três Mosqueteiros”, 2011) vai se surpreender – e muito – ao ver ambos em “As Vantagens de Ser Invisível” (The Perks of Being a Wallflower, 2012). O filme faz carreira humilde no cinema e nas plataformas de streaming, talvez por não seguir a receitinha manjada de dramas adolescentes, mas se você der uma chance a esta história, não vai se arrepender.

Ezra está adorável no papel de um adolescente homossexual e Lerman muito convincente na pele do introspectivo Charlie, que ingressa no Ensino Médio com passe livre para o time dos desajustados. Conhecer a dupla de meio-irmãos formada por Patrick (Ezra) e Sam (Emma) insere o garoto no grupo dos “wallflowers” – espécie de outsiders do bem. Os dois veteranos e sua turma apresentam o calouro às primeiras transgressões da juventude, como comer um brownie batizado com maconha ou experimentar alucinógeno. Nada comparado, porém, à paixão que Charlie passa a sentir por Sam, jovem de espírito libertário que, mesmo linda e doce, relaciona-se com caras que nunca lhe dão o devido valor.

Mas “As Vantagens de Ser Invisível” é mais do que aquelas manjadas histórias de ritos de passagem da adolescência e primeiros amores. Está longe de ser banal. A sutil vigilância da família e as cartas que Charlie escreve a um amigo imaginário dão pistas de que sua introspecção encobre cicatrizes de algum trauma recente, do qual só entendemos a gravidade ao final.

Lerman dá show de interpretação ao passar toda a fragilidade e insegurança de um adolescente que não consegue entender o que se passa na própria cabeça. Até o tom da sua voz muda completamente para o papel.

A trama é ambientada no início da década de 90, por isso a trilha sonora inclui o que de melhor tocava nas rádios da época. É engraçado assistir aos jovens trocarem fitas cassete com seleções de música que gravam em aparelhos 3 em 1, hoje peças de museu. 

Mas o melhor do filme é a ternura com que os amigos se relacionam e se apoiam em suas decepções e dramas.

Em uma palavra: adorável!

 

‘Em Um Mundo Melhor’: os efeitos da raiva

Pense no que pode haver em comum entre uma invernal e limpa cidade dinamarquesa e uma solar e empoeirada vila africana.

No dinamarquês “Em Um Mundo Melhor” – vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2011 – há mais de um ponto a ligá-los: o primeiro, o médico Anton, em missão humanitária no Quênia, mas sediado com a família na Dinamarca; o segundo e mais gritante, a violência – ora desencadeada pela raiva, ora desencadeadora dela.

A raiva move as ações do garoto Christian, que acaba de chegar com o pai de Londres, onde perdeu a mãe para o câncer. Na escola, logo faz amizade com Elias, filho de Anton, que só é deixado em paz pelo valentão de plantão após o novo colega providenciar um “corretivo” à altura para o bullyer.

Pacifista, Anton recusa-se a revidar agressões que um outro pai lhe faz na frente das crianças. Tenta convencer os filhos – sem muito sucesso – de que o grosseirão é um “idiota” e que violência não se deve reproduzir.

A mesma incompreensão cerca o médico quando ele trata o “chefão” da vila queniana, que pratica toda sorte de violência contra a população – inclusive estuprar e esfaquear meninas, que o médico esforça-se para salvar em improvisadas cirurgias de emergência.

Tanto a temperança de Anton quanto a raiva de Christian serão testadas no devido tempo, confrontando-os com questões como: “até onde ir por vingança? Até que ponto resistir a ela?”.

Cada um em um cenário faz sua própria escolha, cujas consequências lhes cobram um alto preço da consciência. Mas mesmo a culpa carrega seu teor de ensinamento – ao menos neste filme de Susanne Bier.

Minha série predileta de volta!

Minha predileção pela série “Downton Abbey” tem mesma raiz da que tenho por toda literatura de época e pelo humor ingleses: irônico e implacável, sem firulas… um contraponto, aliás, a todo o mise en scene da vida em sociedade deles. Enquanto nas aparências tudo segue rituais centenários, nas relações nada de meias palavras ou sentimentalismos piegas. Até o romantismo inglês é mais contido e original.

Em “Downton Abbey“, por exemplo, acho divertidíssimo acompanhar o respeito reverente com que nobreza e criadagem esforçam-se para desempenhar seus papéis na cena social. Ao mesmo tempo, são todos conscientes de que estão em cena e, talvez sentindo-se redimidos pelo cumprimento deste dever, não esforçam-se para “dourar a pílula” nos diálogos.

A personagem Mary, por exemplo, à qual cabe o papel de uma das heroínas românticas da série, não é nada frágil ou preocupada em agradar sempre (muito pelo contrário). Pragmática, não fazia a menor questão de esconder que procurava um marido com fortuna e título à altura de suas aspirações sociais, no início da série, mas acabou lograda ao se apaixonar pelo primo advogado, idealista e avesso à pompa da nobreza rural.

Numa das cenas finais do primeiro episódio da terceira temporada, que foi ao ar na última semana nos EUA, ela está em frente ao altar, ao lado do primo, com quem esteve próxima de romper o noivado na noite anterior, quando ouve: “Você veio. Não tinha certeza de que viria”. Ela responde: “Ótimo. Odiaria tornar-me previsível!”.

Não se enganem, o romance que eles protagonizaram nas primeira e segunda temporadas foi delicioso, mas cheio desse tipo de diálogo original e nada açucarado.

Mas o que mais me emocionou neste início de temporada foi a deliciosa surpresa de ver descer em frente à mansão que dá nome à série, na pele da avó americana de Mary e mãe de Lady Grantam – a senhora de Downton -, ninguém menos que a maravilhosa Shirley MacLaine.

Ver este vulcão americano em cena, ao lado da veterana inglesa Maggie Smith – a matriarca dos Grantan -, foi de tirar o fôlego para mim (já disse aqui como prezo grandes atores e ótimas interpretações). Elas contracenam juntas por poucos segundos e em tomadas quase corriqueiras, mas nem precisam de um grande texto para arrasar. Sozinhas, elas são o show!

‘Batman ressurge’: cerebral!

Ainda não haviam acendido as luzes quando o cinema inteiro começou a bater palmas nos últimos acordes de encerramento de “Batman – O Cavaleiros das Trevas Ressurge”, na primeira sessão da meia-noite em uma das salas do Ribeirão Shopping. O meu aplauso foi de pé, porque, como já escrevi antes aqui – e se pudesse repetiria em letras garrafais e corpo 100 -, CHRISTOPHER NOLAN É UM GÊNIO!!!

Sei disso porque, como milhares de outros cinéfilos como eu –  que de tanto ver filmes adquirem o hábito irritante de adivinhar o que vai ocorrer na tela -, sempre acabo surpreendida em algum ponto dos roteiros assinados por ele. E neste “Batman” errei todas…

A-DO-REI ERRAR!

Co-roteirista de seus próprios filmes, Nolan monta as histórias como se jogasse xadrez com o público. Não adianta você adivinhar o movimento, ele vai colocá-lo em xeque quando vc achar que já entendeu a jogada toda. A genialidade do cara não está só na sua capacidade de surpreender com uma história original que faz pensar, porque uma minoria de diretores o conseguem, mas arrisco dizer que nenhum outro o faz conjugando inteligência e engenhosidade narrativa em um blockbuster (!).

Pode não ser agora, mas algum dia, com distância temporal suficiente, as enciclopédias de cinema vão dizer que Nolan chegou à sétima arte para provar que filmes inteligentes também podem ser campeões de bilheteria, que nem a massa é tão burra e nem é sacrilégio um grande diretor usar os recursos milionários da indústria em show visual que emoldure histórias cerebrais.

Pensar na sala escura não é mais privilégio de poucos graças a Nolan e suas histórias bem amarradas, cheias de símbolos e que ousam desconstruir mitos que ela mesmo erigiu lá no começo.

Não vou entrar em detalhes sobre a sinopse desta vez. Se dependesse de mim, todos os amantes de cinema entrariam na sala para ver “Batman… ressurge” sem nenhuma pista que os prepare para qualquer movimento desse xadrez. Porque se você está lendo este blog é porque gosta de cinema. E se gosta de cinema, ADOOORA se surpreender e errar todos os palpites como eu.

Bom show para você que ainda não viu (‘tá esperando o que mesmo?).

‘O Espetacular Homem-Aranha’: redondinho

Após assistir a “O Espetacular Homem-Aranha” em 3D legendado, tenho a dizer que, para mim, sua grande qualidade é justamente sua maior contradição apontada pela crítica especializada. O filme não entrega o que o adjetivo do título promete: o espetáculo. Mas, sinceramente, não senti a menor falta. Acho que o humor piadista do super-herói nas sequências de ação resultou em um substituto muito eficiente para a pirotecnia visual, que, na trilogia anterior, davam-me uma sensação de “vamos-fazer-uma-pausa-na-história-para-dar-o-show”.

Não me entendam mal, também adoro os filmes de Sam Raimi, mas achei o de Marc Webb mais redondo. Não há a menor gordura em seu roteiro, apesar das 2h20 de duração, que nem vi passar. Claro que os efeitos especiais – de grande qualidade, reconheça-se – estão lá, mas são coadjuvantes das cenas e não “o motivo” delas existirem.

Também gosto do fato deste Peter Parker ser mais imperfeito. É um nerd que não resiste a dar uma lição nos valentões de plantão e que sucumbe à raiva, sim, revolta-se, comete erros. Por mais que suas escolhas seguintes o redimam, sempre carrega a culpa por seus atos impensados.

E Andrew Garfield, com seu ar doce de menino desprotegido, passa tudo isso com comedimento. Aliás, esta qualidade está por todo o filme. Mesmo o romance entre Peter e Gwen Stacy (Emma Stone, ótima!) não tem uma gota desnecessária de açúcar. A forma como ocorre o primeiro beijo – o único concretizado no filme todo -, por exemplo, é romântica, mas um primor de concisão. Em apenas um movimento concretiza-se o beijo e a revelação que Peter não conseguia fazer com palavras.

É igualmente cativante assistir às cenas de encantamento entre ambos, das atrapalhadas e gaguejantes tentativas de aproximação dele ao “balé” sensual do quase-beijo que protagonizam no quarto dela – ele recém-chegado de uma “missão”, todo machucado (repararam que o Peter Parker de Sam Raimi nunca ficava com um arranhão?).

Quem gosta de “show” vai achar o filme morno. Já eu achei perfeito.