Silvia Pereira Pelegrina

Jornalista com 30 anos de experiência em redações, blogueira de cinema, séries e literatura e desde 2022 também assessora de comunicação; Silvia Pereira adora ouvir, ler, assistir e - principalmente - escrever histórias.

Publicações do autor

‘Bastardos inglórios’ é Tarantino em grande forma

Confesso que relutei por muito tempo em assistir “Bastardos Inglórios” (Inglorious Basterds, EUA/ALE, 2009) e que, não fosse ele um dos candidatos ao Oscar de Melhor Filme de 2010, provavelmente não me daria ao trabalho – como não me dei até hoje ao de ver  “Kill Bill volumes 1 e 2“. A razão é a mesma para os três: me incomoda violência gratuita.

Antes que cinéfilos de todo o mundo me taquem pedras, esclareço que também enalteço todas as qualidades do cinema do diretor Quentin Tarantino. A ver: originalidade, ironia inteligente e um humor completamente fora dos padrões, que quase beira o absurdo, mas diverte (às vezes até demais!). São grandes qualidades numa indústria cada vez mais atada a roteiros-fórmula. Só tenho problema com o fato do diretor usar a violência como estética – jorros de sangue, pedaços de pessoas e assassinatos filmados de forma banal, como se não fossem nada demais e ainda provocando risadas.

Feita esta única ressalva, tenho que admitir que “Bastardos Inglórios” reúne todas as melhores qualidades do selo Taranti na no, potencializadas aqui pela participação do astro Brad Pitt – em atuação acima da média, registre-se – e pela interpretação simplesmente fantástica do austríaco Christoph Waltz. Se o filme não tivesse outras qualidades, só sua atuação magnética seria motivo suficiente para assisti-lo. Ele mereceu o Globo de Ouro e o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pelo papel de um investigador da SS (a polícia militar nazista) que caça judeus.

“Bastardos…” é a história dos feitos de um pelotão fictício de soldados americanos judeus com a missão de matar o máximo de nazistas que conseguirem.  É brilhantemente contada, em cenas longas e tensas, como a de Waltz interrogando um rancheiro que tem uma família judia escondida sob o assoalho. Ou a de um grupo de resistentes disfarçados de alemães em conversa de “gato e rato” com um oficial da Gestapo em um bar-porão de Paris. São de prender a respiração!

A última parte do roteiro é uma obra-prima de arquitetura narrativa. A violência gratuita e “engraçada” de Tarantino (infelizmente para mim) também está lá. A ressalva positiva é a de também ter revelado para o cinema ocidental a francesinha Mélanie Laurent e o alemão Michael Fassbender. Tarantino sabe reunir – e retirar o melhor de – talentos!

Não alcancei o apelo de ‘Guerra ao Terror’

Eu deveria cultuar “Guerra ao Terror” (The Hurt Locker, EUA, 2008). Aclamado pela crítica especializada, o título rendeu o primeiro Oscar de Melhor Direção para uma mulher na história da premiação: Kathryn Bigelow.

Só que… não.

Não me entendem mal. Acho  que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas devia a estatueta a uma diretora desde “Yentl” (1983, Barbra Streisand), e acho o trabalho de Kathryn Bigelow ótimo – sou fã especialmente do primeiro “Caçadores de Emoção (Point Break, 1991) e de “Estranhos Prazeres” (Strange Days, 1996), dirigidos por ela -, mas não achei “Guerra ao Terror” nada demais. Ao menos não para merecer a campanha gigantesca que lhe fizeram à época do Oscar 2010.

Tudo bem, sou uma espectadora suspeita por não morrer de amores pelo gênero de ação (espetáculos de cenas de perseguição e tiroteio me dão um tédio sem fim), mas sou, sim, capaz de me sensibilizar por filmes de guerra que carreguem propostas de reflexão, como “Platoon” (1987, Oliver Stone) e “Apocalipse Now” (1979, Francis, Ford Coppola), por exemplo. E não tenho nada contra filmes de ação que contem uma ótima história nos intervalos dos tiroteios e perseguições de carro – a exemplo dos já citados de Bigelow e todos os das franquias “Máquina Mortífera” e Vingadores da Marvel.

Mas, de verdade, não consegui encontrar em “Guerra ao Terror” nada de útil sobre o que refletir nem uma boa história para me entreter. A mim parece um filme sem alma. Sua primeira metade, em que o trio de soldados de um esquadrão anti-bombas fica só desativando detonações – com dois deles se estranhando o tempo todo, como dois infantilóides – quase me matou de tédio. O único momento interessante, para mim, foi uma aparição do (maravilhoso!) ator Ralph Fiennes, infelizmente muito rápida, com seu rosto e cabeça escondidos e um turbante árabe na maior parte da cena (reconheço aquele par de olhos em qualquer tela).

Os norte-americanos devem ter visto algum sentido na história que não alcancei. Costumo me sentir da mesma forma com alguns filmes dos irmãos Joel e Ethan Coen (#prontofalei), como o também premiado “Onde os Fracos Não Têm Vez” (No Country For Old Men, 2008). Devem ser  filmes codificados para só um determinado gênero de platéia (da qual não faço parte) entender… Vai saber?!

‘Amor sem Escalas’ e o vazio das relações líquidas

“Amor sem escalas” começa como um filme cínico, daqueles pensados para dar a sensação de um “soco” no estômago que te faz acordar para a vida real. Quando você menos percebe, o próprio roteiro começa a questionar a validade de toda esta injeção de realidade. Por isso e muito mais mereceu, em minha opinião, o Globo de Ouro de Melhor Roteiro para Jason Reitman, que também assina a direção.

George Clooney interpreta aqui o solteiro convicto Ryan Bingham, consultor de uma terceirizada especializada em demitir funcionários para outras empresas. Orgulhoso da própria liberdade e especialista em relações líquidas (superficiais, que não duram, por isso diz-se que “escorrem entre os dedos”), Ryan é convincente ao enumerar as vantagens de não ter nada e ninguém que o prenda a lugar algum, nem nada de pesado para carregar na mochila. Sua maior ambição é atingir a marca de 1 milhão de milhas acumuladas por suas viagens de negócios para poder dar a volta ao mundo – sozinho!

Algo nesse discurso perfeito, que Ryan costuma repetir em palestras a conferências de executivos mundo afora, começa a fazer água quando sua empresa o encarrega de treinar uma executiva recém-formada (Anna Kendric) por algumas viagens.
Não é nada repentino. Primeiro ele se relaciona com uma atraente executiva que parece comungar seu perfil de desapego. Depois, começa a sentir-se responsável pela jovem trainee, que confrontada por um choque cavalar de realidade, começa a questionar todas as suas teorias prontas sobre a vida.

Uma cena emblemática dá pistas de que algo está mudando dentro de Ryan quando ele volta do casamento da irmã caçula – ao qual decide ir de última hora, já que sempre odiou reuniões de família. Ao chegar em seu apartamento, tira da mala três cabides, que pendura em guarda-roupas absolutamente vazio – como os de hotéis em que se hospeda; entra no banheiro de azulejos brancos e neutros como todo o restante do apartamento e, ao pegar a escova de dentes, congela diante de sua imagem no espelho. Parece que está se olhando de verdade pela primeira vez. Entendemos, por associação, que é a sua vida, neutra e vazia, como aquele apartamento, que ele começa a enxergar com um novo olhar.

Não vou entregar o que ele faz a partir desta tomada de consciência, mas basta saber que experimentará uma dose cavalar do cinismo que sempre dispensou aos outros.

No final das contas, “Amor sem Escalas” passa uma mensagem muito mais nobre do que esperávamos no começo: a de que é preciso, sim, coragem para aceitar todo o estresse, renúncias e – sim – tédio que vêm junto com os laços afetivos, mas que sem eles a vida fica sem cor. O melhor é que o filme mostra isso sem adotar os habituais recursos “melosos” dos romances e com um olhar muito adulto e realista. Pontos para seu diretor-roteirista, que parece saber, aos 32 anos, o que seu personagem levou algumas décadas a mais para descobrir.

‘Batman – O Cavaleiro das Trevas’: histórico!

Prova de que nem todo o sucesso de público é sinônimo de “fórmula descartável” foi o rankeamento de “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, de Christopher Nolan, como a maior bilheteria da década (até a data desta postagem). Para mim, o filme é mais que genial. É histórico, por provar que é possível, sim, filmar roteiros inteligentes e que fazem pensar sem abrir mão do espetáculo sensorial do “cinemão”. Concordo, aliás, com este comentário de um crítico de cinema respeitado: “sua aparente trivialidade é justamente o que faz com que, enquanto nos diverte, possa levantar questões sérias sobre os valores e os méritos”.

Nesta versão de uma das HQs mais filmadas do cinema, o personagem de Coringa (Heath Ledger memorável!) nos força a refletir sobre o quanto tememos o caos e a falta de significação para cada acontecimento ruim – como a morte de um ente querido, as guerras ou uma tragédia. Nos faz encarar um medo sobre o qual sequer temos consciência no dia-a-dia, por estar escondido atrás das explicações que precisamos encontrar para tudo.

É por conhecê-lo que o Batman de Nolan assume, na segunda parte desta “fodástica” trilogia, a culpa por crimes que não cometeu. Ao contrário do bom-moço Harvey Kent, ele consegue emergir à dor e à falta de significação para a perda do amor de sua vida. Afinal, já passou por esse tipo de sofrimento antes.

Para mim, o filme fornece a melhor definição de super-herói: aquele que não merece o título só por voar entre prédios e fazer coisas que seres humanos normais não conseguem, mas porque – para usar as palavras do oficial Jim Gordon – ele “agüenta” os ônus!

Sensacional!

‘O Clube do Filme’: assista este livro

Deliciosa a experiência de ler “O Clube do Filme”, livro do jornalista canadense David Gilmour (não confundir com o músico do Pink Floyd), que, desconfio, agradará mesmo a quem não curte tanto cinema quanto eu. É que não se trata só de filmes. É a história de um pai que decide arriscar-se a respeitar a natureza do filho autorizando-o a deixar a escola (que ele odeia) sob uma condição inegociável: assistirem juntos a três filmes por semana, o que inclui conversarem e refletirem a respeito após cada sessão.

Torna esta história muito humana o fato de o pai nunca admitir que sabe o que está fazendo. Muito pelo contrário. O tempo todo ele se questiona sobre se fez a coisa certa ao seguir seu instinto . Chega a entrar em desespero algumas vezes, imaginando um futuro ruim para o filho por negligência sua.

Mas a história terá um bom final. E até chegar a ele o leitor acompanha as confissões de um pai inseguro sobre a melhor forma de ajudar o filho quando ele passa pelas agruras de alguns ritos de passagem da adolescência, como primeiros amores,  dores-de-cotovelo, dúvidas sobre o que é “ser homem”, etc.

Ao mesmo tempo, durante as sessões de cinema do Clube – que dura três dos mais cruciais anos da adolescência do filho, Jesse – sorvemos deliciosos comentários de David sobre filmes dos mais variados gêneros e aprendemos com ele a ver muitos filmes por outros prismas – o de um pai que quer compartilhar sua visão de vida com o filho.

O autor não fala dos filmes com a arrogância e o determinismo dos críticos, mas como um devotado e entusiasmado fã. Dá vontade rever muitos filmes citados por ele que já vimos ou de sair correndo locar os que ainda não assistimos.

Com esta identificação, acabamos por fazer parte, junto com pai e filho, do tal do “Clube do Filme”. Também fiquei desejando conhecer David pessoalmente, para passar algumas horas deliciosas trocando impressões sobre centenas de títulos. Seriam horas prazerosas!

Bom, mas como é improvável que este encontro role de fato, vou me contentar em utilizar uma das idéias de David para a próxima postagem, à qual darei o nome de “Prazeres Culpados” – o nome dado por David a um dos blocos temáticos da programação de filmes que ele preparava para ver com o filho. Este módulo referia-se a filmes que ele tinha vergonha de admitir que gostava, por serem considerados medíocres (Exemplo: “Uma Linda Mulher”).

O metacinema de Sintonia de Amor

A diretora norte-americana Nora Ephron sempre foi mestre em acionar o inconsciente feminino em suas aparentemente superficiais comédias românticas. Em meu filme preferido dela, “Sintonia de amor” (Sleepless in Seattle, EUA, 1993), a diretora usa o processo de atração de Meg Ryan por Tom Hanks (uma jornalista que se apaixona por um viúvo após ouvi-lo descrever as saudades da mulher pelo rádio) para um exercício muito divertido de metalinguagem: uma comédia romântica analisando o universo das comédias românticas a partir de uma comédia romântica em particular – “Tarde demais para esquecer”, citada pelos personagens o tempo todo.

Atenção para estas cenas: ‘entendedores entenderão’

Nora brinca com o repertório de símbolos narrativos que, reunidos em um filme, o fazem ser entendido – e consequentemente cultuado – só por mulheres. Exemplo de uma dessas “brincadeiras” é a cena em que o viúvo conta para o casal de cunhados ter recebido carta de uma fã (Meg) sugerindo um encontro às escuras no topo do Empire State Building, em Nova York, no Dia dos Namorados. Na hora a cunhada entende a relação com “Tarde demais para esquecer”, em que os personagens de Debora Kerr e Cary Grant marcam o mesmo encontro. As cenas que se seguem, com cada um descrevendo uma cena de filme que lhe fez chorar, são simplesmente hilárias! Dá pra ver que os atores se divertiram ao gravá-las.

O filme conta ainda com as atuações pra lá de carismáticas de Tom Hanks e Meg Ryan, que até tentou se livrar do rótulo de atriz de um só gênero atuando em dramas como “Em Carne Viva”, “Coragem sob Fogo” e “O Outro Lado da Nobreza”, entre outros, mas não adiantou. Todos nos lembramos dela por seus papeis em comédias românticas, como esta e “Mens@gem pra você”, “Surpresas do Coração”, “Kate & Leopold”, etc.

Só para constar… não pertenço ao fã-clube de “Tarde demais para esquecer” (acho piegas de doer!), mas, de uma forma geral, ADOOOOORO “filmes de mulherzinha”!

#prontofalei

‘Férias Frustradas de Verão’: clima dos anos 80

Quem foi adolescente na década de 1980 se lembra das “brincas” (de brincadeiras), reuniões dançantes que quem ainda não tinha idade pra frequentar boates e discotecas improvisava em casa mesmo, instalando luzes estroboscópicas na parede, apagando todas as luzes da casa e caprichando na playlist do 3 em 1 (aparelho de som que unia toca-discos, toca-fitas e rádio AM-FM). Na pick-up, vinis de The Cure, Simple Minds, Journey, David Bowie, U2 e todo o delicioso som dançante que a década produziu.

Lembranças como essa com certeza virão à memória de quem viveu a “geração 80” ao assistir “Férias Frustradas de Verão” (Adventureland, EUA, 2009). Protagonizado por Jesse Eisenberg e Kristen Stewart novinhos – antes de se tornarem estrelas de sucessos como “A Rede Social” e “Crepúsculo” -, trata-se de um romance adolescente daqueles bem levinhos,  ambientado em 1987, numa vizinhança de classe média baixa.

Eisenberg interpreta um nerd romântico, recém formado no Ensino Médio, que vê seu plano de férias na Europa frustrado quando o pai tem problemas no trabalho. Com o objetivo de levantar recursos para a faculdade, ele aceita um emprego de verão no parque de diversões do título original, onde conhece a enigmática colega de trabalho Emily (Kristen). Aparentemente opostos – ele tímido e virgem, ela cética, já com  vida sexual ativa -, eles se aproximam aos poucos, de uma forma doce e sem jogos, até que uma revelação coloca em cheque a relação antes mesmo dela engrenar.

O que mais gostei, neste e no filme anterior de Greg Mottola (o também ótimo “Superbad”),  foi a forma original, livre de fórmulas, com a qual a história é desenvolvida. Não há grandes análises existenciais, mas nem mediocridade… apenas uma forma simples, doce e sincera de se olhar a juventude que o cinema  vem perdendo.

A trilha sonora, grande responsável pelo clima dos anos 1980, também é de arrasar. Inclui, além das bandas já citadas no início do texto, gravações de Lou Reed e seu Velvet Underground, entre outros ótimos representantes do rock da época.

Ótima pedida para uma Sessão da Tarde!

‘Distrito 9’: aliens na favela

O diretor Neil Blomkamp na época do filme

Estreia na direção do sul-africano Neill Blomkamp, “Distrito 9” (District 9, EUA/ Nova Zelândia/ África do Sul, 2009) foi aclamado pela crítica especializada na ocasião de seu lançamento. Mereceu! Este misto de  ficção científica e thriller social foge aos padrões do cinemão, trazendo um sopro de frescor a ambos os gêneros.

O filme começa em tom documental, entrecortando cenas de violência em Johanesburgo (capital da África do Sul) com depoimentos de sociólogos, assistentes sociais, moradores e agentes governamentais, que descrevem, como se estivessem sendo entrevistados, porque a formação de uma favela torna-se uma “pedra nos sapatos” das autoridades. Quando o governo resolve despejar seus moradores e transferi-los para uma área mais distante da cidade, o funcionário público padrão Winkus Van Der Merwe é encarregado da operação, que não se dará sem imprevistos (um deles caro demais a seu perfeito modo de vida).

Até aí, o argumento de “Distrito 9” não soaria muito diferente dos de outros thrillers não fosse um importante detalhe: os habitantes da tal favela são alienígenas, cuja nave “encalhou” nos céus da cidade após a perda de um módulo. Numerosos, desnutridos e inexplicavelmente amistosos, embora tragam na bagagem armas de grande poder letal, eles foram aprisionados nesta região, que é demarcada por cerca eletrificada. As armas alienígenas são cobiçadas pelo Governo, que tenta a todo custo descobrir uma forma de usá-las, pois sua tecnologia só funciona em contato com o DNA dos “camarões” – termo pejorativo pelo qual os aliens passam a ser chamados.

Não darei spoiler sobre como a história se desenrola a partir desse argumento, mas posso dizer que a trama é tão bem amarrada e o ritmo tão eletrizante que quase nem reparamos na precariedade dos efeitos especiais  – para mim, só mais uma prova de que é a tecnologia que deve servir de suporte a uma [de preferência boa] história e não o contrário.

Também gostei de o filme não assumir ares panfletários e nem pretensões de crítica social. Claro que o espectador medianamente informado sobre as realidades sociais mundo afora não terá dificuldade em traçar suas próprias analogias, mas poderá fazê-lo sem nenhum prejuízo do entretenimento. Ou seja, todo mundo ganha, quem assiste a filmes só para fugir da realidade e quem também gosta de pensar.

O final deixa margem a uma continuação. Vou torcer para ela rolar.

Piratas do Rock: divertidíssimo!

‘Divertidíssimo’ é o adjetivo que define o clima de “Os Piratas do Rock” (“The Boat That Rocked”), comédia inglesa dirigida por Richard Curtis (de “Simplesmente Amor” e “Nothing Hill”). O roteiro foi inspirado na revolução das rádios piratas britânicas dos anos de 1960 para narrar histórias e aventuras vividas por um grupo de amigos DJs dentro de um navio de pesca transformado em emissora.

Logo na abertura o filme já diz a que veio, tascando o rock “All Day And All Of The Night”, do The Kinks, quando um garoto liga o rádio que tem escondido debaixo do travesseiro. Imediatamente aparecem cenas de ingleses de todas as castas e penteados vintage dançando ao som da Rádio Rock, àquela hora da noite com locução do auto-confiante Count (Phillip Seymour-Hoffman, mais uma vez demonstrando sua versatilidade).

Daí para frente, acompanhamos a chegada ao navio do adolescente Carl e conhecemos junto com ele a rica variedade daquela “fauna masculina” formada por DJs de todos os estilos e personalidades – desde o “come-todas” gordinho Dave até o romântico e casto Simon, passando pelo estúpido Kevin. O único elo de ligação entre estes loucos é a grande e intocável paixão em comum pelo rock’n roll, que, aliás, está presente em cada cena do filme.

A música é um personagem à parte. Desfilam pela trilha sonora desde Beach Boys e Cat Stevens até Jimmi Hendrix, passando por Rolling Stones, The Who, Dusty Springfield, entre outros, numa rica demonstração da variedade que o rock da época produziu.

E o filme segue de uma situação engraçada a outra – bem ao estilo do sutil humor inglês, registre-se – até o final precipitado por uma armação do governo, que passa o filme todo tentando acabar com o combustível das rádios piratas: a popularidade.

Fica a dica: assistam e divirtam-se.

Bravo, Patrick!

Quando o ator Patrick Swayze perdeu a batalha para um câncer no pâncreas, contra o qual lutou por 20 meses, os noticiários homenagearam sua memória com imagens de seus filmes mais celebrados: “Dirty Dancing” (EUA, 1987), que o alçou à fama, e “Ghost – Do outro lado da vida” (EUA, 1990), que o consagrou de vez. Já eu sempre me lembrarei dele por meio de um filme muito pouco festejado e quase nunca lembrado em sua filmografia, mas que sempre me toca o coração cada vez que revejo: “Para Wong Foo, obrigado por tudo! Julie Newmar”.

Há quem diga que este road movie transgênero foi uma resposta hollywoodiana ao cult instantâneo “Priscila – Rainha do Deserto”, (Priscila, AUS, 1994), sucesso de público e crítica de um ano antes. Nele, Patrick e os atores John Leguizamo e Wesley Snipes envergam saltos altos, enchimentos, quilos de maquiagem e modelitos esvoaçantes para interpretar três classudas drag queens.

O filme começa com as três decidindo atravessar os Estados Unidos em um conversível com o objetivo de participar de um concurso de beleza numa metrópole. No meio do caminho, porém, o carro quebra em um vilarejo, onde elas são forçadas a passar alguns dias esperando a peça necessária  para o conserto. Claro que o tempo que passam no local muda para sempre a vida daquela comunidade, que aprende muito sobre tolerância, auto estima e sororidade com as novas “amigas”.

A cada vez que revejo o filme volto a me surpreender com a delicadeza e entrega com que os três atores interpretam seus papeis. Acho que é o filme em que Swayze foi mais ator (vamos combinar que, na maioria de suas demais atuações, ele esbanjava mais carisma do que dramaticidade!).

Já na vida real, parece que ele se desincumbiu muito bem de todos os papeis que assumiu. Consta que foi bom amigo, bom pai e bom marido. Permaneceu casado por 34 anos com a mesma mulher, com quem dividiu também a sociedade em uma escola de dança. Não deixou a fama subir à cabeça e soube conciliar com leveza vida pública e privada.

Bravo, Patrick!