Jornalista com 30 anos de experiência em redações, blogueira de cinema, séries e literatura e desde 2019 trabalhando free lance com produção e edição de conteúdos; Silvia Pereira adora ouvir, ler, assistir e - principalmente - escrever histórias.
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dez 01 2010
‘Amish Grace’ e a inconcebilidade do perdão
Produzido para a TV, “Graça e Perdão” (Amish Grace, EUA, 2010) é inspirado no caso real de um pai de família que, amargurado pela perda da filha, decide vingar-se de Deus disparando tiros na escola de uma comunidade Amish e se suicidando em seguida. A morte de cinco das meninas espalha dor entre a comunidade de cristãos ultraconservadores, conhecida por viver isolada do restante da sociedade e cultivar um modo de vida mais primitivo, inclusive com restrições a tecnologias eletrônicas.
Ironicamente, o que acaba chocando a opinião pública, mais do que a brutalidade do crime, é o motivo da visita feita por líderes Amish à viúva do assassino, no mesmo dia do ocorrido. Em meio ao seu próprio luto, eles encontram forças para levar perdão ao atirador e conforto à sua família. Tal desprendimento é considerado tão extraordinário que uma emissora incumbe sua equipe de reportagem de investigar se a comunidade toda concorda com o ato ou se esta está sendo imposto por seus líderes.
Aí entra o paradoxo: que em sociedades majoritariamente cristãs o perdão a quem nos causa dor ou prejuízo é tão inconcebível que provoca incredulidade, choque, descrédito.
E de fato, assistindo ao filme, entendemos a dificuldade de uma das mães que perdeu uma filha em comungar a benevolência para com quem lhe tirou um bem tão precioso. Soa perfeitamente legítimo para nós sua revolta com o marido, que, acredita ela, aceita fácil demais desculpar o assassino da própria filha. “Você está enganada. Não é fácil perdoar”, esclarece ele.
Também para mim foi difícil encontrar lógica nesta postura, até que este questionamento, feito pelo personagem deste pai à filha mais nova, levou-me a pensar: “Não vou castigá-la por odiar, nem vou dizer para não fazê-lo, mas só quero que me responda uma coisa: este ódio… é bom senti-lo?”.
Em outra cena, as famílias prejudicadas pelo episódio recebem atendimento psicológico em um grupo de apoio. A viúva do assassino é a que tem mais dificuldade em perdoar o ato do marido. Ironicamente, são algumas das mães que perderam suas filhas a lhe ensinarem que perdoar não é algo que se faz apenas pelo perdoado, mas também por si mesmo. “Se eu não perdoar todas as vezes do dia em que me lembro e prendo a respiração de ódio, não conseguirei continuar respirando e morrerei aos poucos”, diz uma das mães.
O filme deixa a lição de que somos apenas nós os prejudicados pelo cultivo do ódio, para o qual o único remédio é o perdão. Mas não fornece resposta a uma questão óbvia suscitada pelo paradoxo: por que, vivendo em uma sociedade cristã, o perdão ainda é visto como sinônimo de fraqueza ou de algo abaixo de nossa dignidade? Esta, cada um terá que responder a si mesmo.
nov 22 2010
A Vila: metáforas do medo
Como ocorre com livros que volta-e-meia releio, também tenho meus “filmes de cabeceira”, aos quais recorro sempre que quero reviver uma deliciosa experiência. São produções que continuam a me emocionar não importando há quanto tempo as cultue, assistindo de tempos em tempos pra checar se continuam a tocar a nova pessoa que me torno a cada fase.
Entre os títulos que nunca me decepcionam está “A Vila” (The Village, EUA, 2004), do cineasta de ascendência indiana M. Night Shyamalan (de “O Sexto Sentido”). Repleto de signos e subtextos, o filme me encanta em diferentes níveis, começando pela história misteriosa, que se passa em uma comunidade rústica, fisicamente isolada da civilização pelos limites de uma floresta. Quando a morte de uma criança por falta de remédio arrasa uma das famílias, um dos moradores jovens (Joaquim Phoenix) se oferece para atravessar a floresta e buscar medicamentos em outra cidade, mas é desautorizado pelo Conselho de Anciãos. Em seguida, uma série de episódios estranhos vão tecendo uma teia de mistérios que parecem ter relação com segredos guardados pelos mais velhos.
O elenco de peso é encabeçado por William Hurt e Sigourney Weaver, no núcleo mais velhos, e abrilhantado por Joaquin Phoenix, Adrien Brody e Bryce Dallas Howard na ala mais jovem – interessante notar Jesse Eisenberg (Mark Zuckerberg em “A Rede Social”) jovenzinho fazendo figuração.
Dallas Howard fez sua estreia no cinema com este papel de uma garota cega, filha do líder da comunidade (Hurt). Sua personagem, aliás, é a mais evidente metáfora do filme, com sua forma de “ver” o que ninguém mais nota. Será ela a desafiar a ordem estabelecida na comunidade pelo medo, sentimento presente por todo o roteiro e que leva à sua mais importante reflexão: a inutilidade de se tentar fugir do sofrimento e da maldade, que são inerentes ao ser humano.
Shyamalan rumina didaticamente esta simples e tão evitada verdade por todo o filme – não por acaso lançado três anos após o fatídico 11 de setembro, portanto no auge da “paranoia do terror” semeada entre os norte-americanos.
Por fim, destaco a forma sutil e romântica com que o amor é reconhecido e sugerido em algumas cenas, por mais de um par romântico, um deles inconfessável.
Não comentarei outras metáforas identificadas para não comprometer a experiência de quem ainda não o assistiu. Vale muito a pena!
out 18 2010
‘Tropa de Elite 2’: o inimigo agora é a milícia
Eu já havia achado o primeiro “Tropa de Elite” (BRA, 2007) do diretor brasileiro José Padilha, um (necessário) “tapa na cara” da sociedade, por mostrar que a responsabilidade sobre a violência e a criminalidade cariocas não é apenas do tráfico, mas também dos usuários que financiam esta engrenagem – “ninguém é inocente” acusa o slogan do filme. Mas sua sequência eu diria que é um soco no estômago seguido de um chute no… digamos… “aquele lugar mais vulnerável da anatomia masculina”.
O cinema de Padilha é assim mesmo: sem sutilezas, direto ao ponto e às vezes truculento, que é para nos acordar mesmo. No caso de “Tropa de Elite 2” (BRA, 2010) para o fato de que as mais escusas associações podem ser feitas nos bastidores do poder constituído tendo como alvo o nosso voto, inclusive entre políticos eleitos para cargos públicos e milicianos de farda. É com estes últimos que o protagonista capitão Nascimento vai bater de frente no brilhante roteiro de Bráulio Mantovani (registre-se, o mesmo do não menos genial “Cidade de Deus”).
Treze anos mais velho que no primeiro filme, Nascimento agora integra o departamento de inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. É onde vai parar após ser exonerado da Tropa de Elite da PM carioca, por ter comandado a contenção de uma rebelião que culminou em chacina no presídio de Bangu. Ouvindo “grampos” de telefonemas entre traficantes e policiais corruptos descobre que “o inimigo agora é outro” – slogan da sequência – e muito mais poderoso que o bandido armado das favelas porque blindado pelo poder e pela fachada de “homem de bem”.
A direção frenética de Padilha prende a atenção e o fôlego. O ritmo das cenas é ágil, e o entrelaçamento dos fatos, didático. E a atuação de Wagner Moura como o capitão Nascimento é, mais uma vez, um espetáculo à parte. Ele incorpora o personagem de tal forma que esquecemos que se trata de um ator ali. Irandhir Santos, que teve seu talento revelado para o grande público neste filme, também está muito convincente no papel de um deputado defensor dos Direitos Humanos.
Por tudo isso, permitam-me lamentar veemente e dolorosamente o fato de o filme não ter sido escolhido o representante brasileiro na disputa por uma indicação ao Oscar 2011 de Melhor Filme Estrangeiro (“Lula, o filho do Brasil”??? Gimme a break!!!). Com “Tropa de Elite 2″ teríamos chances reais na disputa, mas prevaleceu a escolha mais “politicamente correta” para a época. Uma pena!!!
out 17 2010
Mais uma deliciosa série de época da BBC
“Vivemos os últimos anos cercados por todos estes monumentos ‘ao que poderia ter sido’”.
Eu sei, desgarrada da cena de onde a pincei, esta fala não tem grande impacto. Mas no contexto de um episódio da minissérie “Lark Rise to Candleford” (BBC, 2008), conectou-me, instantaneamente, a sentimentos não-ditos nos diálogos deste romance tipicamente inglês. Digo “tipicamente” no melhor sentido, pois minhas experiência com autoras inglesas da era vitoriana tem provado, a cada nova obra descoberta, que nada há de trivial ou superficial nos diálogos cheios de subtextos de suas obras – escritas ou filmadas -, por mais que pareçam formais e frívolos à primeira vista.
Mais uma série de época a levar (e merecer!) o selo BBC de qualidade em produções de época, “Lark Rise to Candleford” é baseada na trilogia formada pelos livros “Lark Rise”, “Candleford” e “Candleford Green”, escrita por Flora Thompson – sim! outra das minhas “inglesas românticas” favoritas. Semi-biográfica, a obra narra memórias da jovem Laura Timmins, vividas numa região rural ao nordeste da Inglaterra, no século 19. O pano de fundo é o cotidiano de duas comunidades vizinhas, uma essencialmente rural e habitada por camponeses pobres, e outra um vilarejo que reúne a porção mais urbana e de melhor situação da população. Laura nasceu em uma e é enviada a viver em outra ao chegar à adolescência. É quando passa a relatar em um diário as diferenças que observa entre os dois mundos e que, muitas vezes, a fazem sentir-se dividida.
Diferentemente dos romances da magnânima Jane Austen, ambientados entre a aristocracia rural, “Lark Rise…” mostra a realidade de trabalhadores da terra que mal conseguiam ganhar o pão de cada dia e entre os quais saber ler era considerado um luxo quase desnecessário. Solidariedade, honestidade e valores humanos genuínos pautam a convivência das famílias (alguns episódios me emocionaram às lagrimas).
É um produto de época romântico e leve, ideal para Sessões da Tarde.
set 07 2010
‘Mary and Max’: solitários e especiais
Juro que não foi proposital ter assistido dois filmes seguidos com protagonistas especiais. Após a cinebiografia da autista “Temple Grandin“, assisti à animação “Mary and Max – Uma Amizade Diferente” (Mary & Max, AUS, 2009, dir.: Adam Elliot), sobre uma amizade epistolar (mantida por cartas) entre uma garota australiana e um portador de Síndrome de Asperger – estado leve do espectro autista, geralmente com maior adaptação funcional.
A técnica de animação stop motion e o texto com muita narração em off sugerem, à primeira vista, um filme infantil. Mas não se enganem. No máximo, “Mary and Max” poderá ser entendido pela plateia infanto-juvenil para cima, pois aborda temas como sexualidade, homossexualidade, alcoolismo, além do principal, que é a perspectiva de uma pessoa com transtorno de desenvolvimento.
Tudo começa quando Mary, uma criança solitária e com pais distantes, escolhe a esmo um nome na lista telefônica de Nova York para enviar uma carta. É como começa a se corresponder com Max. Nós primeiros anos de amizade epistolar, a visão de mundo de ambos é muito similar, simples e pura. À medida que Mary cresce, porém, suas cartas vão impondo a Max questões humanas mais complexas, que ele tem dificuldade de “digerir”. Uma delas o confunde a ponto de instalar uma crise, que demanda a sua internação em uma instituição pelo período de oito meses.
O filme trata disso com tanta normalidade que desarma nossos preconceitos. Sem falar que é encantadora a forma como os dois solitários e diferentes – cada um a seu modo – se ajudam, se entendem e se amparam mesmo a oceanos de distância.
Está aí outro filme imperdível sobre diferentes maneiras “especiais” de ver e entender o mundo – ou, ao menos, o maior perímetro possível além do nosso umbigo.
set 05 2010
‘Temple Grandin’: tocante testemunho de vida
Produção exclusiva da HBO, “Temple Grandim” (Idem, 2010, dir.: Mick Jackson) é a cinebiografia de uma autista que, contra todas as previsões em contrário, conseguiu formar-se em um curso superior e ter uma carreira como veterinária e professora universitária, graças à persistência de sua corajosa mãe e aos estímulos de um dedicado professor.
A verdadeira Temple Grandin é a prova viva do quão longe se pode chegar quando as pessoas que nos amam decidem acreditar mais em nossas habilidades do que nas limitações, evitando que a super-proteção e a indulgência nos impeça de crescer, fazer parte do mundo e de cometer nossos próprios erros.
Temple foi diagnosticada com autismo aos 4 anos de idade, por um médico que aconselhou sua mãe a interná-la em uma instituição para doentes mentais. A mãe teimou em educá-la em casa e, quando conseguiu que a menina aprendesse a ler, a matriculou em escolas normais, das quais ela era expulsa a cada “delito social” – como bater em um colega que lhe fazia bullying. Até que, em um internato rural que acolhia todo tipo de crianças especiais, um professor de ciências percebeu o grande QI da menina e a estimulou a lutar contra sua inabilidade social para estudar. Grandin passou a alcançar notas que a capacitaram a conseguir vaga em qualquer boa faculdade.
E lá foi ela novamente lidar com a selvageria de outro ambiente social hostil para continuar descortinando “os mundos novos” que seu professor de ciências lhe prometia a cada vez que ela tivesse coragem de atravessar uma porta – metáfora para o desconhecido.
O filme se esmera em mostrar, do ponto de vista de Temple, o seu jeito muito peculiar de apreender o mundo, em constante choque com a forma com que o restante da humanidade o faz. Mas Temple aprende a não fugir ou se esconder deste mundo que ela não entende. Assim, seus limites vão sendo testados por ambientes e comportamentos hostis, o que acaba a obrigando a lançar mão de todas as suas melhores habilidades para se equilibrar nele. O resultado foi ela ter chegado aonde médicos como o que a diagnosticou aos 4 anos jamais imaginariam.
A autista Temple Grandin hoje é professora universitária, PHD em ciência animal e percorre o mundo dando palestras sobre este assunto e – claro! – autismo.
ago 14 2010
A Partida: uma lição de amor
“A Partida“, filme japonês ganhador do Oscar de Melhor Estrangeiro de 2009, é uma grata surpresa. Ingênuo, sutil e contido como a própria alma japonesa, o filme mostra um violoncelista obrigado a voltar para a cidade natal com a jovem esposa, após a dissolução da orquestra em que tocava. Acaba aceitando um emprego de acondicionador de corpos (que prepara os cadáveres para colocação no caixão) por um salário muito bom.
Parece tétrico – e no começo é mesmo -, mas há uma lição de amor em “A Partida”. A certa altura, discriminado por amigos e pela própria esposa pelo emprego desabonador, Daigo descobre dignidade e honra na profissão que começou odiando. De alguma forma isso o ajuda a se reconciliar com o violoncelo, que via como um símbolo de seu fracasso na cidade grande. E o contato com as dores de quem se despede o faz preparar com carinho e respeito quem parte.
A gema mais preciosa desta produção está no final, quando o novo ofício confronta Daigo com mágoas do seu passado. Não vou descrever este momento, mas posso dizer que é uma dessas cenas que coloca a nós, viajantes virtuais, em contato com emoções tão fundas que nem parecem nossas.
jun 25 2010
Um garoto começa a enxergar o mundo
Mais de dez anos após “Sociedade dos Poetas Mortos” ter despertado profundas e transformadoras emoções na jovem que fui, um outro filme veio a me inspirar a mesma ternura. “Olhos Abertos” (Wide Awake, 1998) foi escrito e dirigido para a televisão pelo cineasta de origem indiana M. Night Shyamalan, um ano antes dele alcançar reconhecimento de público e crítica com “O Sexto Sentido“. Toda vez que o revejo sinto as mesmas emoções de décadas atrás.
Singelo, o filme acompanha as peregrinações de um menino de 11 anos, Joshua (Joseph Cross, de “Correndo com Tesouras”), que, após perder um avô muito querido, decide sair à procura de provas da existência de Deus. O objetivo é se certificar se o avô foi para um bom lugar e ao lado de Deus. Ele começa , então, a bombardear de perguntas vários adultos à sua volta, inclusive os pais – um casal de médicos agnósticos -, mas principalmente representantes de diferentes religiões que cruzam seu caminho. No processo, instiga à reflexão todos os que o rodeiam e começa a “abrir os olhos”- no sentido de tomar plena consciência – para as pessoas e o mundo à sua volta.
É terna e didática a forma como o roteirista/diretor conduz Joshua por este processo de despertar, mas nem por isso simplória – aliás, me irrita a freqüência com que os mais ferrenhos críticos de Shyamalan confundem a simplicidade de suas histórias com banalidade e vêem infantilidade onde vejo alegoria e simbolismo. Para mim, a força do cinema do indiano está exatamente onde os críticos vêem sua maior fraqueza: numa indústria de entretenimento sustentada sobre roteiros-fórmula, ele se atreve a filmar histórias singelas, cheias de signos intelegíveis por todas as idades, o que as aproxima muito dos contos de fadas.
Lembro que os contos de fadas não são reproduzidos oralmente há séculos à toa. A força de sua longevidade reside no fato de conseguirem penetrar o insconsciente humano, que rege todas as nossas ações involuntárias e que entende a linguagem dos signos. Não é pouco!
jun 03 2010
Viagem à origem de um ícone
Em uma cena de “O Garoto de Liverpool” (Nowhere Boy, CAN/ING, 2009), um jovem de 15 anos pergunta à mãe:
– Por que Deus não me fez Elvis?
– Porque estava te guardando para ser John Lennon – retruca ela.
Nossa distância de mais de meio século em relação ao tempo em que é ambientado o filme torna este diálogo profético e ironicamente emblemático (qual dois dois foram maiores para o rock afinal?). No contexto da história contada, porém, apenas espelha a inquietação de um adolescente ambicioso que ia muito mal nos estudos e via na formação de uma banda a única alternativa ao ostracismo social.
O filme mostra que, aos 15 anos, John Lennon (aqui vivido por Aaron Taylor-Johnson) já adorava música, mas a ideia de liderar uma banda parecia ter mais a ver com suas ambições e grande ego do que com uma devoção humilde à arte.
A diretora inglesa Sam Taylor-Johnson escolhe um recorte pouco explorado na vida do mais idolatrado integrante do The Beatles, quando ele ainda morava com os tios, por quem foi criado desde os 4 anos de idade – última vez em que viu os pais. O filme acompanha o intenso período em que Lennon perde o tio querido, reencontra a mãe bipolar, é confrontado com a razão de ter sido criado pela tia Mimi e forma a primeira banda, The Quarrymen.
O recrutamento para o grupo o leva a conhecer um garoto chamado Paul, que atrevia-se a tocar qualquer instrumento de corda muito melhor do que ele. É Paul quem traz para o grupo um amigo seu, George, que também toca muito bem. Até então, os futuros Beatles ainda não eram próximos. O melhor amigo de John era Stan, personagem principal de outro filme também sobre a fase pré-fama do quarteto: “Os cinco rapazes de Liverpool” (muito bom… procurem).
Dá para perceber que a diretora evita ao máximo vincular aqueles jovens personagens a qualquer remissão aos ícones que se tornariam depois. Até o nome famoso pelo qual o grupo passaria a ser conhecido mundialmente é propositalmente ocultado – “E isso com a nova banda, os… Como eles se chamam mesmo?“, pergunta a tia Mimi, ao ser comunicada de que John está partindo com a banda para Hamburgo, na Alemanha. “Você se importa?“, desconversa John.
Sábia escolha, já que o relato desglamourizado nos permite enxergar o adolescente John sem mitificações. Conseguimos entender como seus sentimentos, principalmente o complexo de rejeição que é forçado a confrontar nesta conturbada fase, ajudaram a moldar a personalidade controversa que conheceríamos anos depois.
Bem filmado e, claro, repleto daquele rock ingênuo que se fazia nos anos 1950 (antes de Os Beatles o reinventarem), o filme resulta uma deliciosa “viagem musical”. Ela fica mais emocionante quanto maior for sua idolatria pelo quarteto inglês (a minha e de meu marido são enormes!!!).
Mas, mesmo gostando só um pouquinho dos Beatles, desafio qualquer um a resistir em embarcar nela logo na primeira cena. Quando toca um único acorde de “A Hard Days Night”, no primeiríssimo segundo de filme, JÁ ERA! … Somos irremediavelmente fisgados!!!
maio 20 2010
‘Vidas que se cruzam’: culpa e redenção
É engraçado como assistir a muitos filmes nos familiariza com o “clima” da escrita de alguns roteiristas de cinema. Por exemplo, reconheci antes de confirmar a autoria de “Vida de Solteiro” que a história e os diálogos tinham o estilo de Cameron Crowe. Eu e outros milhares de fãs de Pedro Almodóvar reconhecemos de olhos vendados qualquer filme do espanhol; e podem me apresentar qualquer exemplar do cinema de Nora Ephron que reconheço rapidamente seus diálogos cheios de referências ao universo feminino.
Com “Vidas que se cruzam” (The Burning Plain, EUA, 2009) não adivinhei de cara o nome do autor, mas sorvi com familiaridade o clima melancólico da história de uma hostess de restaurante que se entrega ao sexo como a uma fuga desesperada de si mesma. Quando vi nos letreiros o nome do roteirista e diretor Guillermo Arriaga (de “21 Gramas” e “Babel”) tudo fez sentido. Mesmo quando dirigidas por outras pessoas, suas histórias se deixam reconhecer por um clima desesperançoso e pela sensação de inadequação que seus personagens nos passam, como se vagassem pela vida sem merecê-la ou sem ter nada a perder.
Charlize Theron está talentosa e linda como sempre no papel da protagonista, que parece se arrastar por uma existência vazia de afetos, à qual ela mesma se inflige como punição. Ao mesmo tempo, tentamos entender sua relação com a história em flashback de dois jovens que se aproximam após perderem os pais no mesmo incêndio do trailer onde se encontravam clandestinamente – o pai dele era amante da mãe dela.
Logo entenderemos que é de culpa que se trata esta história.
Mas nem tudo é desesperança no cinema de Arriaga, pois o passado vai bater à porta desta mulher com a oferta de uma oportunidade de redenção. Se ela vai agarrar a oportunidade ou bater a porta na cara de seu passado, só assistindo para descobrir.