Categoria: CINÉLIDE

Adão e Eden contra a gravidade

Era uma vez dois mundos. O chão de um começava onde o céu de outro acabava. Um mundo era rico e outro era pobre. E quem nascia em um, não conseguia viver em outro, porque estava aprisionado ao chão pela gravidade de seu próprio mundo.

Um dia, um menino subiu na montanha mais alta do Mundo Inferior – o pobre – e avistou uma menina passeando pela montanha mais alta do Mundo Superior – o rico. Eles ficaram amigos, cresceram e se apaixonaram, mas só podiam se beijar com os rostos invertidos.

Assim começa a história de “Mundos Opostos” (Upside Down), que merece a sinopse de conto de fadas, já que cultiva as doses de fantasia e alegoria características do gênero. Mas o filme do argentino Juan Solanas é muito mais que isso.

À guisa de rótulos, pode-se dizer que é uma ficção científica com doses cavalares de romance e uma leve crítica social, mas importante mesmo é frisar o encantamento com que se deixa assistir a história de Adam (Jim Sturges de “Um Dia”) e Eden (Kirsten Dunst, de “Homem Aranha” de Sam Raimi), separados não por convenções sociais ou vilões, mas pelo determinismo de seus mundos.

É emblemático que seus nomes remetam a uma outra história, que abre um determinado livro sobre o início dos tempos.

Em  “Upside Down”, ninguém é expulso do paraíso, mas nada mais será como antes naqueles dois mundos depois que Adam decidir lutar contra o impossível por sua Eden, o “seu” paraíso.

É lindo de assistir, mesmo que no fundo não acreditemos mais em conto de fadas (será que não?).

‘Star Trek’: Benedict Cumberbatch ARRASA!

ADORO um vilão carismático! É o que Benedict Cumberbatch entrega como o Khan de “Além da Escuridão – Star Trek”.

Amei odiá-lo!

O ator manipula cada músculo de seu rosto para formar máscaras demoníacas em suas demonstrações de ódio controlado. Prestem muita atenção na cena em que ele descreve ao capitão Kirk (pobre Chris Pine perto de tal ator!) a razão de seu ódio: a câmera focalizando apenas seu rosto em primeiro plano… a maquiagem desenhando olheiras embaixo de seus olhos amarelecidos por algum efeito especial…

Mas é a forma com que ele vai transformando sua expressão, que passa vagarosamente da amargura ao ódio – os olhos e a boca formando diferentes desenhos no processo – é que me deixou hipnotizada.

Isso sem falar das nuances de sua voz, que – além de linda! – ele usa divinamente como recurso interpretativo. Os melhores atores, aliás, fazem isso.

Mas não pensem que descobri Benedict Cumberbatch só agora.

Sua expressão lasciva para a ninfeta que acabou abusada no início de “Desejo e Reparação” já havia me intrigado. Lembro-me de ter procurado por seu nome nos créditos do filme para saber quem era afinal aquele personagem secundário que, como Ralph Fiennes, sabia interpretar tão bem só com o olhar. Com a diferença de que, ao contrário de Fiennes, Cumberbatch nem é bonito (para o caso de me acusarem de estar me derretendo pelos motivos errados… rs).

Depois ele me enfeitiçou de vez como o Sherlock da série homônima da BBC, que adapta as aventuras de sir Arthur Conan Doyle para o presente (isso mesmo, Sherlock Holmes no século 21, colocando celular, laptop e tudo o mais que a tecnologia gestou a serviço de sua apurada inteligência e técnicas de dedução).

Sherlock” me fez decidir ler os livros, que, sinceramente, gostei menos do que da série (vai desculpando aí Zé Eduardo!). Confesso que achei mais fascinante o brilho de Cumberbatch na pele do detetive, mesmo também tendo gostado de ver Robert Downey Jr. – outro com brilho próprio – interpretá-lo recentemente em dois ótimos longas.

A diferença é que Downey Jr. sempre coloca muito de sua personalidade em qualquer personagem que faz. Mas Cumberbatch se amalgama a eles, não nos deixando nenhuma pista de quem ele realmente é no meio daquela persona que constrói.

Nenhum dos personagens de Benedict Cumberbatch é igual a outro. Tentem assisti-lo, por exemplo, como um tímido e retraído aristocrata na série inglesa “Parade’s End”. Não lembra em nada o ególatra Sherlock ou o diabólico Khan, mas novamente é uma grande interpretação.

Ele também pode ser visto em muitas outras produções inglesas e anglo-americanas (aliás, o homem é um workaholic), como “Cavalo de Guerra“, “O Espião que sabia demais“, “Terceira Estrela“, etc, mas na maioria como coadjuvante. Algo me diz, porém, que seu grau de importância nas próximas produções vai mudar…

O filme

Ah sim… a propósito do filme que motivou este post, tenho a dizer que é MUITO BOM, não deixando nada a dever ao restante da série.

O diretor J. J. Abrams – como Christopher Nolan de “Batman– tem um talento para orquestrar tramas bem escritas sem perder o ritmo e nem abrir mão do espetáculo visual. Sob sua direção até o insosso Chris Pine chega a ficar convincente, mas nada que chegue aos pés de seu oponente.

As piadas que  rendem a relação de Kirk com o vulcano Spock – ou o resto de sua tripulação – funcionam muito bem.

Enfim, é um entretenimento da melhor qualidade, mas, como aconteceu com “Batman” e seu Coringa, a atuação de seu vilão fica maior que o todo.

‘Paz, amor e muito mais’: vale por Jane Fonda

Pense no que pode ser mais impagável do que ver Jane Fonda, 73 anos, com uma farta cabeleira grisalha caindo sobre os ombros, metida em um figurino hippie psicodélico e regurgitando discursos do ideário da contracultura.

É como ela se materializa no filme “Paz, Amor e Muito Mais”, como se tivesse acabado de sair de uma máquina do tempo, direto da década de 70 para a Woodstock dos dias de hoje. Vamos combinar, é preciso ter uma grande personalidade para dar conta de um papel que flerta muito de perto com a caricatura e – dependendo da histrionice do ator – com o ridículo.

Mas Jane dá conta. Afinal, estamos falando da estrela de “Descalços no parque” e “Barbarela”, de “Amargo Regresso” e “Klute – O Passado Condena”, que rendeu a ela um Oscar, em 1972. Jane não foi uma atriz dessas que chamam bilheterias de arrasar quarteirões, mas escolheu sabiamente seus papeis e, na vida pessoal, conseguiu não ser ofuscada por maridos ególatras como o cineasta Roger Vadim ou o milionário Ted Turner.

Ainda viveu para confessar sem constrangimentos seus erros e acertos na biografia “Minha Vida Até Agora”. Sem mais nada para provar, ela agora parece estar se divertindo com a escolha de seus últimos filmes, como o francês “E se vivêssemos todos juntos” e este leve “Paz, Amor e Muito Mais”.

No filme, Jane é a mãe hippie da recalcada advogada Catherine Keener, que, após receber o pedido de divórcio do marido, resolve finalmente levar os filhos adolescentes para conhecer a avó. Elas não se vêem ou se falam há 20 anos e logo no primeiro encontro dá para entender porque. A filha certinha reprova o modo de vida liberal – e em um certo aspecto ilegal – da idosa, que ainda vive como se estivesse na Woodstock da década de 70.

Mas não espere profundidade ou um acerto de contas dramático verossímel. O filme resulta em um amontoado de romances superficiais, que se deixam assistir prazerosamente numa sessão da tarde chuvosa. A interpretação de Jane Fonda é MESMO o melhor do filme.

‘O Som ao Redor’: sociedade entrincheirada

Cena de ‘O Som Ao Redor’: A classe média entrincheirada

O diretor Kleber Mendonça Filho não poderia ter sintetizado melhor o principal mote de “O Som ao Redor”, no bate-papo que se seguiu à aguardada primeira exibição de seu filme no Cinépolis Ribeirão, na noite de sábado (15/6). “Nenhum outro país tenta dividir tanto o público do privado como o Brasil”.

O retrato que ele faz do cotidiano de famílias que vivem em uma só rua de Recife é também o retrato de toda a classe média brasileira que habita as cidades, com sua profusão de muros, grades e portões. Barreiras construídas pelo homem para proteger e separar… para barrar a criminalidade, mas que abortam também o convívio, o contato e a troca com o outro.

Não por acaso a maior parte do filme se passa em espaços fechados… as janelas mostrando uma floresta de concreto, as famílias aprisionando seu lazer entre muros e se entrincheirando atrás das grades das janelas.

Apenas os sons não obedecem a tais barreiras, como o uivo do cachorro que invade a casa vizinha à noite, impedindo o sono da dona de casa que adora fumar maconha. “O som é mal educado… ele atravessa os muros sem ser convidado”, pontua Mendonça.

Mas o retrato traçado por “O Som ao Redor” tem muitas outras nuances. Como o ranço de coronelismo que ainda rege a ordem das coisas na rua, onde um certo latifundiário de nome Francisco, antigo proprietário da maioria dos imóveis da região, ainda espera ser consultado quando qualquer serviço novo é oferecido por ali.

Um desses serviços é o de guardas-noturno, que traz consigo outra nuance do retrato: a facilidade com que a classe média paga por qualquer nova sensação de segurança. E com ela, outro entrincheiramento e, paradoxalmente, uma brecha em sua privacidade – os guardas controlam seus cotidianos e horários; às vezes recebem as chaves de um vizinho que viaja a pretexto de que molhem suas plantas.

E no final, a derradeira ironia… os últimos sons que se ouve naquela vizinhança são dos mais “mal-educados” e prestam-se a uma – talvez duas – vingança. Mas o espectador sabe que é muito barulho por nada… pouco deve mudar neste retrato.

‘O Quarteto’: adorável filme de atores

Tom Courtenay, Maggie Smith, Pauline Collins e Billy Connoly em ‘O Quarteto’

Primeira incursão pela direção do ator Dustin Hoffman, “O Quarteto” faz o espectador se perguntar por que o eterno “Rain Man” demorou tanto a se aventurar atrás das câmaras. A má notícia é que sua exibição ficará relegada a apenas um horário (22h) em dois dias da próxima semana (terça e quinta) em apenas uma sala do conjunto Cinemark, no Novo Shopping.

Adorável, o filme agradará especialmente a quem aprecia música, cinema e boas interpretações.

Desde a primeira cena ficam claros três aspectos da produção: é um filme de atores, reverente à música e modesto no melhor sentido.

Dá para perceber a generosidade com que Hoffman deixa o elenco brilhar em uma história simples, com produção de baixo orçamento e rodado em locação única – uma mansão inglesa transformada em retiro para músicos aposentados.

A história é ambientada na semana em que a instituição é agitada pelos preparativos da festa anual pelo Aniversário de Verdi – que arrecada a maior parte dos recursos para sua manutenção – e pela chegada de uma nova moradora. Logo descobrimos tratar-se uma ex-estrela da ópera (Maggie Smith, sempre poderosa!), a quem os demais hóspedes recebem com palmas e gritos de “bravo!”. Ao menos um deles, porém, não está nada feliz com sua chegada: o regente Reginald (Tom Courtenay), ex-marido que ainda nutre grande mágoa por ela.

Caberá à doce Cissy (Paulinne Collins) – que convive tão graciosamente quanto possível com os primeiros sintomas do Alzheimer – e ao incorrigível galanteador Wilf (Billy Connoly) atuarem como agentes dessa reconciliação.

Dustin Hoffman dirige Ó Quarteto’

Apesar de a idade média do elenco girar em torno dos 70 anos, “O Quarteto” foge ao perfil das últimas produções que enfocam a terceira idade por não colocar ênfase nas dificuldades e dramas desta fase da vida. Sim, as rugas, as bengalas apoiando os problemas físicos e um ou outro comentário sobre envelhecer estão lá, mas, não se enganem… Estamos diante é de um romance leve, temperado por pitadas do delicioso humor inglês e que parece ter simplesmente calhado de ter personagens idosos.

Hoffman parece dizer: “Sim, a vida continua na terceira idade e velhice não anula a capacidade de amar”.

Trilha sonora

A música chega a ser uma personagem à parte em “O Quarteto”. A maioria das cenas é embalada por trechos de óperas, cantadas ou tocadas ao piano.

Uma grata surpresa foi perceber, nos créditos finais, que muitos dos coadjuvantes e figurantes são grandes músicos na vida real. Enquanto sobem os letreiros, suas cenas no filme aparecem congeladas ao lado de suas fotos antigas, identificadas por seus nomes e carreiras no teatro ou em grandes orquestras. A premiada soprano Gwyneth Jones, por exemplo, interpreta uma concorrente de Maggie Smith no filme.

República da terceira idade

Como refletor das realidades de cada época, o cinema já detectou a necessidade de criar obras que dialoguem com – ou retratem – uma parcela da população que só cresce: a idosa. Entre a comédia romântica “Alguém Tem que Ceder” (2003) e o drama “Amor” (Oscar de Melhor Filme Estrangeiro deste ano), uma gama de títulos enfocando protagonistas da terceira idade vem sendo lançada em diferentes gêneros.
O francês “E Se Vivêssemos Todos Juntos” cabe em mais de um. Sob direção do semi-estreante Stéphane Robelin, o filme vai do drama à comédia em vários momentos e com uma suavidade a que só o cinema francês permite-se. A atuação convincente de medalhões como Jane Fonda – ainda linda nos seus 76 anos de idade – e Geraldine Chaplin contribuem muito para fortalecer uma história improvável.
Um grupo de amigos na faixa dos 70 anos começa a ter sua liberdade e autonomia ameaçadas, tanto por problemas de saúde como por parentes mais jovens. Um deles então sugere que todos morem juntos na mansão de um deles para apoiarem uns aos outros. A ideia é rechaçada no início, mas acatada por força de circunstâncias que não entregarei aqui.
Difícil no início, a convivência entre amigos com histórias de vida entrelaçadas e segredos compartilhados chega a render boas risadas. A mudança de um jovem mestrando para o casarão fornece ainda mais munição para o humor.
Robelin opta por não pesar a mão no drama Afinal, seus idosos não precisam de nossa solidariedade. São bem resolvidos, modernos, classudos. Do que mais classificar um grupo que toma champanhe como lanche da tarde mesmo à cabeceira de uma paciente de câncer?

Como refletor das realidades de cada época, o cinema já detectou a necessidade de criar obras que dialoguem com – ou retratem – uma parcela da população que só cresce: a idosa. Entre a comédia romântica “Alguém Tem que Ceder” (2003) e o drama “Amor” (Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2013), uma gama de títulos enfocando protagonistas da terceira idade vem sendo lançada em diferentes gêneros.

O francês “E Se Vivêssemos Todos Juntos” cabe em mais de um. Sob direção do semi-estreante Stéphane Robelin, o filme vai do drama à comédia em vários momentos e com uma suavidade a que só o cinema francês permite-se. A atuação convincente de medalhões como Jane Fonda – ainda linda nos seus 76 anos de idade – e Geraldine Chaplin contribuem muito para fortalecer uma história improvável.

Um grupo de amigos na faixa dos 70 anos começa a ter sua liberdade e autonomia ameaçadas, tanto por problemas de saúde como por parentes mais jovens. Um deles então sugere que todos morem juntos na mansão de um deles para apoiarem uns aos outros. A ideia é rechaçada no início, mas acatada por força de circunstâncias que não entregarei aqui.

Difícil no início, a convivência entre amigos com histórias de vida entrelaçadas e segredos compartilhados chega a render boas risadas. A mudança de um jovem mestrando para o casarão fornece ainda mais munição para o humor.

Robelin opta por não pesar a mão no drama. Afinal, seus idosos não precisam de nossa solidariedade. São bem resolvidos, modernos, classudos. Do que mais classificar um grupo que toma champanhe como lanche da tarde mesmo à cabeceira de uma paciente de câncer?

‘Deus da Carnificina’: a violência nas palavras

“Deus da Carnificina”, de Roman Polanski, lembrou-me em vários momentos o clássico “Anjo Exterminador”, com seus personagens despedindo-se o tempo todo, mas voltando sempre para a mesma sala, como se prisioneiros de uma força invisível. Também como no clássico de Luís Buñuel, as personagens, representantes de uma elite abastada, vão despindo-se gradativamente do verniz de civilidade à medida que medem forças.
Só que a arena de Polanski é outra. Em vez de uma mansão lotada de burgueses, temos a sala de um apartamento de classe média alta na qual se encontram quatro personagens: os casais formados por Penelope (Jodie Foster e John C. Reilly) e Michael e Nancy e Alan Cowan (Kate Winslet e Christoph Waltz). Motivo: uma conciliação entre pais, após o filho de um ter agredido violentamente o de outro.
O roteiro de Yasmina Reza – mesma autora da peça que deu origem ao filme – mantém toda a ação entre as quatro paredes e sustentada essencialmente sobre os diálogos entre os dois casais.
A cortesia claramente forçada que os quatro encenam no início vai se esgarçando bem aos poucos, conforme um personagem pega a “deixa” de uma insinuação de outro. Os temas das discussões mudam o tempo todo, bem como as configurações de enfrentamento, ora casal x casal, ora maridos x mulheres – a certa altura com a ajuda libertadora de um whisky escocês 18 anos.
O desafio do espectador é conseguir assistir a tudo sem se questionar se, no lugar de qualquer um deles, conseguiria manter a compostura. Os diálogos mostram como a palavra pode ser tão agressiva quanto ações físicas.

Kate Winslet, Jodie Foster, John C, Reily e Christoph Waltz em ‘Deus Da Carnificina’

“Deus da Carnificina”, de Roman Polanski, lembrou-me em vários momentos o clássico “Anjo Exterminador”, com seus personagens despedindo-se o tempo todo, mas voltando sempre para a mesma sala, como se prisioneiros de uma força invisível. Também como no clássico de Luís Buñuel, as personagens, representantes de uma elite abastada, vão despindo-se gradativamente do verniz de civilidade à medida que medem forças.

Só que a arena de Polanski é outra. Em vez de uma mansão lotada de burgueses, temos a sala de um apartamento de classe média alta na qual se encontram quatro personagens: os casais formados por Penelope e Michael (Jodie Foster e John C. Reilly) e Nancy e Alan Cowan (Kate Winslet e Christoph Waltz). Motivo: uma conciliação entre pais, após o filho de um ter agredido violentamente o de outro.

O roteiro de Yasmina Reza – mesma autora da peça que deu origem ao filme – mantém toda a ação entre as quatro paredes e sustentada essencialmente sobre os diálogos entre os dois casais.

A cortesia claramente forçada que os quatro encenam no início vai se esgarçando bem aos poucos, conforme um personagem pega a “deixa” de uma insinuação de outro. Os temas das discussões mudam o tempo todo, bem como as configurações de enfrentamento, ora casal x casal, ora maridos x mulheres – a certa altura com a ajuda libertadora de um whisky escocês 18 anos.

O desafio do espectador é conseguir assistir a tudo sem se questionar se, no lugar de qualquer um deles, conseguiria manter a compostura. Os diálogos mostram como a palavra pode ser tão agressiva quanto ações físicas.

‘A Hora Mais Escura’: caçada ao terror

Um helicóptero de elite pousa em uma base americana montada em um ponto qualquer do Oriente Médio para embarcar apenas uma tripulante. O piloto comenta com a ruiva de aspecto frágil e solitário que o espera: “Você deve ser importante”. Mas quando ele pergunta para onde deve levá-la, ela estaca, perdida.
Tampouco o espectador  de “A Hora Mais Escura”, que estreia amanhã nos cinemas de Ribeirão Preto, saberá responder onde fica o lar da agente especial Maya, mas entenderá o porquê de sua hesitação. A esta altura do filme, ele já terá acompanhado sua busca obstinada pelo paradeiro do inimigo número 1 dos Estados Unidos desde o fatídico 11 de setembro de 2001. Sabe que ela passara os últimos anos sem parada fixa ou tempo para cultivar relações de qualquer outra natureza que não a profissional. Então fica fácil entender sua dificuldade em estabelecer um lugar que se assemelhe minimamente a um lar.
O filme discorre sobre as investigações que culminaram na captura e morte de Osama bin Laden, líder da organização terrorista Al Qaeda, responsável pelas quase 3 mil mortes decorrentes dos ataques às torres gêmeas, em Nova Iorque.
No entanto, os holofotes estão sobre a jovem veterana da CIA – na casa dos 30 anos, foi recrutada no Ensino Médio -, que ora acompanha ora comanda interrogatórios a prisioneiros nos quais a tortura é utilizada com naturalidade.
O roteiro é direcionado a pintá-la como um daqueles heróis anônimos que Hollywood adora exaltar. Desacreditada quando começa a perseguir a trilha de um mensageiro do líder terrorista, ela insiste na pista e exige atenção.
É quando o filme, que começa arrastado entre imagens de tortura e perseguição de pistas falsas, ganha ritmo e evolui para um eficiente thriller de ação e espionagem. Mas permanecem, em meio  às atitudes agressiva e obstinadas de Maya, a dúvida sobre quais são suas motivações: patriotismo, ambição…?
Eis a questão
Ao final da operação que capturou bin Laden, os fuzileiros que a colocaram em prática estão reunidos na base compartilhando o orgulho e a sensação de dever cumprido. Maya caminha entre eles como se não fizesse parte do grupo. Parece não saber para onde ir.
É como se a diretora Kathryn Bigelow a usasse como um espelho dos Estados Unidos pós-caça ao terror e lançasse ao mundo a pergunta: “para onde este país quer ir agora?”.
a hora mais escura 1

Jessica Chastain é a agente da CIA Maya

Um helicóptero de elite pousa em uma base americana montada em um ponto qualquer do Oriente Médio para embarcar apenas uma tripulante. O piloto comenta com a ruiva de aspecto frágil e solitário que o espera: “Você deve ser importante”. Mas quando ele pergunta para onde deve levá-la, ela estaca, perdida.

Tampouco o espectador  de “A Hora Mais Escura” saberá responder onde fica o lar da agente especial Maya, mas entenderá o porquê de sua hesitação. A esta altura do filme, ele já terá acompanhado sua busca obstinada pelo paradeiro do inimigo número 1 dos Estados Unidos desde o fatídico 11 de setembro de 2001. Sabe que ela passara os últimos anos sem parada fixa ou tempo para cultivar relações de qualquer outra natureza que não a profissional. Então fica fácil entender sua dificuldade em estabelecer um lugar que se assemelhe minimamente a um lar.

O filme discorre sobre as investigações que culminaram na captura e morte de Osama bin Laden, líder da organização terrorista Al Qaeda, responsável pelas quase 3 mil mortes decorrentes dos ataques às torres gêmeas, em Nova Iorque.

No entanto, os holofotes estão sobre a jovem veterana da CIA – na casa dos 30 anos, foi recrutada no Ensino Médio -, que ora acompanha ora comanda interrogatórios a prisioneiros nos quais a tortura é utilizada com naturalidade.

O roteiro é direcionado a pintá-la como um daqueles heróis anônimos que Hollywood adora exaltar. Desacreditada quando começa a perseguir a trilha de um mensageiro do líder terrorista, ela insiste na pista e exige atenção.

É quando o filme, que começa arrastado entre imagens de tortura e perseguição de pistas falsas, ganha ritmo e evolui para um eficiente thriller de ação e espionagem. Mas permanece, em meio às atitudes agressivas e obstinadas de Maya, a dúvida sobre quais são suas motivações: patriotismo, ambição…?

Eis a questão

Ao final da operação que capturou bin Laden, os fuzileiros que a colocaram em prática estão reunidos na base compartilhando o orgulho e a sensação de dever cumprido. Maya caminha entre eles como se não fizesse parte do grupo. Parece não saber para onde ir.

É como se a diretora Kathryn Bigelow a usasse como um espelho dos Estados Unidos pós-caça ao terror e lançasse ao mundo a pergunta: “para onde este país quer ir agora?”.

“A Hora Mais Escura”  foi indicado aos Oscar de Melhor Filme, Atriz (Jessica Chastain), roteiro original, edição e edição de som, mas saiu da festa sem nenhuma estatueta.

Um certo impostor chamado Shakespeare

Algo em um comentário de Rubens Ewald Filho, sobre o roteiro contestar a autoria da obra atribuída a William Shakespeare, chamou minha atenção para o filme “Anonymous” (“Anônimo”), dirigido por um Roland Emmerich irreconhecível. Mais do que o argumento, os apelos combinados de “trama de época” + “teatro como pano de fundo” atraíram-me com a perspectiva de um filme que enaltecesse a palavra e valorizasse as interpretações – características que nunca fizeram o estilo do diretor de “2012”, “10.000 a.C”, “Independence Day” e “Stargate”.

Para minha total surpresa, foi exatamente o que encontrei em“Anônimo”, que transforma Shakespeare em personagem secundário, rebaixando-o a um ator semi-analfabeto e chantagista, cuja maior esperteza é agarrar a chance de assumir a autoria das peças que um nobre apaixonado por literatura e poesia escrevia clandestinamente, para não envergonhar a família.

Rhys Ifans (o semi-retardado colega de Hugh Grant em “Nothing Hill”) – também irreconhecível, porém convincente em papel dramático – interpreta o Conde de Oxford, um protegido da Rainha Elisabeth I criado para ser um grande estadista, que frustra os planos de seu tutor graças à sua paixão pela escrita. Sua única forma de realização é doar as peças que escreve para montagem por uma companhia de teatro londrino, sem nunca poder assumir sua autoria ou aceitar os aplausos por elas.

No começo, o filme parece abordar apenas uma paixão subserviente à arte, mas sua história começa a se entrelaçar com a política da época quando o autor descobre a capacidade do teatro em traduzir para o povo a sua própria realidade.

Assim é que o teatro assume, em plena era elisabetana, sua função subversiva, tornando-se ao mesmo tempo palco e agente de transformações políticas.

Já disse neste blog que a obra de Shakespeare não me atrai por questão de preferência estética, mas não atrevo-me a negar sua importância para a história do teatro e como alegoria das paixões e arquétipos humanos. Foi divertido vê-la adaptada a um contexto histórico fictício.

Destaque para as interpretações de Vanessa Redgrave (grande dama do teatro e do cinema inglês) e Joely Richardson – mãe e filha da vida real – como Elisabeth em duas idades diferentes e para as de Sebastian Armesto (o autor Ben Johnson, depositário do segredo do conde-autor) e Rhys Ifans.

‘Indomável Sonhadora’: miséria e poesia

 

Indomável Sonhadora” (Beasts of the Southern Wild) não é um filme fácil de assistir.

Esqueça aquela cenografia plástica e perfeita do cinema. O diretor Benh Zeitlin mostra sem filtros, de uma forma naturalista, a pobreza em que vivem moradores de barracos às margens do rio Mississipi, numa localidade que os personagens chamam Bathtub.

Ali, próximos a uma barragem, a pequenina Hushpuppy, de cerca de 5 anos, costuma navegar com seu pai a bordo da carcaça de uma velha camionete transformada em barco, refletindo sobre o “povo do outro lado”.

É um cenário de miséria o que Hushpuppy habita com a maior naturalidade e resignação, como se não houvesse outro possível – ou sequer desejável.

Seu mundo só sofre um abalo quando ela estranha a ausência do pai por um dia inteiro. Quando ele reaparece, envolto em um camisolão de hospital e com uma pulseira de identificação no braço, começa a desconfiar que algo em seu mundo está sob ameaça.

Não demora para que monstros (as bestas do título original) de uma história, contada pela professora que dá aulas à beira do rio, passem a povoar suas divagações, como uma metáfora do seu medo do que está por vir.

E vem muita coisa… tempestade, inundação, destruição e a união dos vizinhos sobreviventes em um “acampamento” improvisado numa palafita.

Toda a realidade é processada pelo olhar ingênuo de Hushpuppy e traduzida por sua narrativa em off, de uma sabedoria pura e ingênua…

A cena do enfrentamento de seu maior medo é pura poesia visual. Tiro o chapéu para Ben Zeitlin por conseguir conjugar imagens de miséria, narrativa poética e metáforas visuais.