Silvia Pereira Pelegrina

Jornalista com 30 anos de experiência em redações, blogueira de cinema, séries e literatura e desde 2019 trabalhando free lance com produção e edição de conteúdos; Silvia Pereira adora ouvir, ler, assistir e - principalmente - escrever histórias.

Publicações do autor

‘A Onda’: tratamento de choque

Bruce Davison como o professor do primeiro filme “A Onda”, de 1981

Numa aula de história, um professor de Ensino Médio tenta explicar a alunos adolescentes de que forma regimes totalitários, como nazismo e fascismo, mantiveram-se por anos em alguns países, tutelados pela população. A platéia duvida da probabilidade daquele “engano coletivo” ocorrer em sua geração, “mais informada e inteligente” (ah… a arrogância da juventude!).

Não sei se saberei explicar direito porque esta história real – descrita em livro e transformada em filmes norte-americano (The Wave, 1981) e alemão (Die Welle, 2009) intitulados “A Onda” – me veio automaticamente à memória quando assisti hoje ao noticiário. Talvez as imagens de jovens comemorando a morte do terrorista Osama Bin Laden pelas ruas dos Estados Unidos tenham me lembrado a mesma ingenuidade e arrogância daqueles estudantes em sala de aula de “A Onda” – todos considerando-se tão acima de “enganos coletivos”, como se sempre fosse possível saber com clareza onde estão o certo e o errado… como se a morte de um único líder pudesse acabar automaticamente com o terror.

O professor do filme decide usar um método nada ortodoxo para mostrar a seus alunos como um regime repressor pode ser fomentado dentro da sociedade, a partir de uma ideia bem vendida e cultivada pela pressão do meio social. Começa sugerindo a criação de um clube, intitulado “A Onda”, cujo conceito vende com grande sedução. Afaga egos juvenis dando funções específicas para cada um dentro desta sociedade; confere sensações de importância e pertencimento ao propor regras de conduta a serem seguidas – e premiadas – por todos; cria distintivos, braçadeiras, uniformes, gritos de guerra, saudações gestuais, que lembram desde a paixão das torcidas organizadas até a disciplina de instituições militares (não por acaso, força na qual todo regime totalitarista se apoia).

Aos poucos, a inebriante sensação de tornar-se parte de algo importante contagia toda a escola. Torna-se cool pertencer à Onda. O nerd, o gordinho e outras minorias, que antes sofriam bullying por serem diferentes, agora são respeitados por também terem um cargo no clube (finalmente sentem-se inclusos!).

Nesta nova ordem, agir e vestir-se igual começam como decisões voluntárias que, aos poucos, tornam-se esperadas e, com o tempo, exigidas. Quando o próprio grupo começa a criar mecanismos de repressão de quem não se encaixa aos preceitos da sociedade (as vítimas de bullying, agora, são outras), o professor decide que é hora de um tratamento de choque.

O que “A Onda” tem a ver com Osama Bin Laden e as comemorações por sua morte? Aparentemente, nada, mas ajuda, assistindo ao filme, entender como se programam mentes de futuros Bins Ladens, que crescem ouvindo a doutrinação apaixonada de seus iguais, em sociedades blindadas à informação livre e engessadas pelo cerceamento de liberdades (de expressão, de imprensa, de ação, de pensamento…).

Entendendo os mecanismos de sedução em massa expostos no filme talvez nos tornemos menos ingênuos a ponto de acreditar que faríamos diferente se tivéssemos crescido na mesma sociedade… ou de crer que a morte de um único homem (ele sendo efeito e não causa de uma sociedade intolerante) representará o fim de uma engrenagem violenta – crer nisso, aliás, equivale a acreditar que o Rio de Janeiro viraria uma ilha de paz se apenas fossem mortos todos os líderes do crime nas favelas, mas continuassem a miséria e as desigualdades sociais e de acesso ao conhecimento e à educação (maiores fabricantes de excluídos).

Como escreveu Clóvis Rossi em seu artigo “A Morte não mata o discurso”, eliminar o combustível do fanatismo que armou Bin Laden começa por dar condições de vida mais dignas aos povos árabes. Eu acrescentaria a isso abrir suas sociedades para o conhecimento, em vez de simplesmente rotulá-las como inferiores e dar-lhes as costas, acreditando-nos muito superiores.

U2 360 – Viagem multisensorial

Os meses de expectativa, as horas de ansiedade e o Profenid para calar a lombar ressentida com as horas em pé não foram absolutamente nada perto da indescritível experiência de assistir ao show “360º”, do U2. Não acreditem nos vídeos gravados, nas fotos reproduzidas, nas críticas escritas nos noticiários… ESTAR LÁ é único… irreproduzível… mas vou tentar…

Eu e Ma na plateia

Foi preciso estar no Morumbi no sábado (9/4) para entender que assistir a um show de uma banda como esta não vale só por ver seus ídolos cantando ao vivo, a menos de 100 metros de você. A energia que lhe envolve quando suas voz e emoções entram em sintonia com as de outras 90 mil pessoas, somado às sensações multisensoriais provocadas pela produção apoteótica, transcendem mais do que qualquer droga.

Tenho certeza que as críticas jornalísticas vão falar mais apropriadamente da produção épica do show… eu falo aqui é de emoção, identificação, comunhão pela música.

Às vezes parece que você está em uma nave, viajando por um universo paralelo, mas não longe o bastante da antena de conscientização que Bono ativa quando, por exemplo, evoca as palavras de Desmond Tutu na introdução de “One” (Má, meu amor, foi mágico ouvi-la ao seu lado!) ou quando nos lembra que há apenas dois dias um massacre de inocentes deixou 12 famílias enlutadas no Rio… embarcamos em “Moments of Surrender” assim, com os olhos marejados pela visão dos nomes das 12 crianças assassinadas no telão… as mãos levantadas empunhando celulares em obediência ao pedido de Bono.

Do ponto de vista de produção, a mise-em-scene audiovisual arquitetada para “City of Blinding Lights” deve ser apontada como ponto alto do show… o telão esticando, como se de elástico, formando um funil do teto ao chão do palco, mas ainda reproduzindo imagens gigantes de Bono, Adam, Larry e The Edge… as luzes lançadas do palco para o céu, coalhando de figuras abstratas a tela de nuvens – até elas, obedientes, aguardaram quietinhas o fim do show para cair em forma de chuva (as capas só valeram para a apresentação de abertura, com a Muse… também surpreendente!).

Mas, para mim, o melhor da noite foi sentir a força do som surround injetar a bateria inconfundível de Mullen por todos os meus sentidos na introdução de “Sunday Bloody Sunday” – hino supremo de minha relação com a banda … quase estourei os pulmões cantando-a junto e pulando como uma macaca nos refrões.

E o que foi o Bono se balançando pendurado ao microfone circular, suspenso por cabo de aço, na hora de “Ultra Violet”?!… kkkkkkkkkkk… SENSACIONAL!!! Adoro pessoas que não temem o ridículo, pois tenho pra mim que não se levar muito a sério é o melhor remédio contra a velhice.

Breno, lembrei de você na hora de “Beautiful Day”. Você e a Jana teriam adorado!

E vimos Bono se emocionar com o coro do público entoando por ele “Where the streets have no name”, “Help”(Yes, we love Beatles too) e teimando no Oh-Oh-Oh OhOhOh de “Moments of Surrender” muito depois do último acorde soar… Ele agradeceu emocionado.

Deu até para perdoá-lo por ficar me devendo cantar “Pride (in the name of Love)”, “Original of the spieces”, “Sometimes you can’t make it on your own”, “Stay”… (suspeito que seriam necessários  dois shows pra eu ouvir todas as minhas preferidas da banda😊).

Foi tudo grandioso… uma viagem tão hipnotizante que ao final das mais de 2h de show parecia que não havia passado nem 1h… mas acabou. Que pena!

 

P.S. Quase ia me esquecendo… Aldo, Roberto, Val, Tati e Fabinho… vcs foram companhias fantásticas!

‘Flipped’: muito além de um amor de infância

Em um dicionário Inglês-Português da internet, “Flip” é traduzido tanto como um salto mortal da ginástica, quanto o ato de “atirar” ou de “lançar ao ar” uma moeda – ou, ainda,  “virar de posição”. Diferentes entre si, todos estes significados cabem, de alguma forma, no filme “Flipped” (“O Primeiro Amor” no Brasil), embora a protagonista use o termo mais como uma gíria sinônimo de “surtar” (“The very first time I saw Bryce Loski, I flipped”).

Com roteiro e direção de Rob Reiner (“Questão de Honra”, “Conta Comigo”, “Louca Obsessão”), o filme conta como um casal de vizinhos compartilha desencontros e descobertas dos 7 aos 13 anos de idade, nunca na mesma sincronia, com cada fase da relação mostrada sob o ponto de vista de um e outro.

Parece outra história de “menino conhece menina”, mas não é! “Flipped” vai muito além da narrativa de um amor de infância. Também é a história de como os jovens Juli e Bryce aprendem a refletir e, consequentemente, ver com novos olhares o mundo, as pessoas e a si mesmos.

Juli inicia este processo instigada de uma forma muito linda por seu pai. Enquanto pinta um quadro no quintal de casa, ele questiona a filha sobre o que ela vê em seu apaixonado para além da aparência. “Numa paisagem, o todo é mais importante do que a partes”, filosofa. O amigo idoso, Chet, elabora ainda mais a metáfora: “nos seres humanos, às vezes, o todo pode ser menor do que as partes”. A menina aproveita muito bem tais provocações, passando a refletir sobre o que a soma das partes de cada indivíduo à sua volta diz sobre eles.

Em Bryce o chacoalhão que o faz começar a pensar por si mesmo também é dado por Chet – não por acaso seu avô, que enxerga na pequena Juli o mesmo espírito transcendente da falecida esposa.

Como resultado das novas reflexões, Juli e Bryce vão trocando de posição (flip!) – ela recuando em sua intensidade à medida que passa a pesar mais suas escolhas… ele atirando-se mais nas experiências à medida que vai parando de pautar suas ações e julgamentos pela opinião alheia.

Superficial só na aparência, o filme está mais para um manual didático sobre a importância da reflexão no processo de aprendizagem propiciado pelas experiências. Prova, da forma mais encantadora, que quanto mais cedo se começa (a refletir), melhor!

Elizabeth Taylor: divindade de olhos violeta

E ainda pregam que deuses são imortais.

A divindade encarnada em Elizabeth Taylor deu seu último suspiro humano neste dia 23 de março de 2011… ainda não consigo me conformar com o fato de que este ícone da Hollywood que amo se foi.

Os jornais vomitam biografias ricas em escândalos conjugais, que ela soube colecionar como ninguém em seus oito casamentos (e vários affairs no meio). Mas a divindade que sempre venerei em Elisabeth Taylor foi a atriz, maior ainda do que sua escancarada beleza, em minha muito parcial opinião de fã.

Workaholic, Liz estrelou a marca impressionante de 70 filmes em 79 anos de vida (até se aposentar do cinema, na década de 1990, jamais passou um ano inteiro sem trabalhar), alguns dos quais figuram na galeria de títulos que marcaram minha memória afetiva. Outros tantos, porém, sequer conheço ainda, pela dificuldade de acesso à sua filmografia completa.

Aprendi a reconhecer Elisabeth Taylor em inúmeros títulos da “deliciosa” Hollywood de entre as décadas de 1940 e 60, antes mesmo de entrar no ensino primário, nas Sessões da Tarde das décadas de 1970 – saudoso período em que a Globo exibia “classicões” do grande cinema de todos os tempos.

Eu a via em suas várias idades em completa desordem cronológica, à mercê da programação: adulta e sensualíssima em “Gata em teto de zinco quente”, por exemplo, muito antes de reconhecê-la menina e ingenuazinha em “A Coragem de Lassie” e “A Mocidade é assim mesmo”.

(Photo by Sunset Boulevard/Corbis via Getty Images)

Lembro-me de me perguntar como os demais personagens tratavam como uma pessoa comum aquela deusa de olhos violeta brilhantes – de gata -, traços perfeitos e boca de coração… Achava Paul Newman um idiota por esnobá-la em “Gata…“, que assisti pela primeira vez antes de entender, com meu limitado repertório infantil, que eram sexuais as investidas que ele recusava.

Também a vi adolescente em “Quatro destinos”, décadas antes de descobrir que tratava-se de versão cinematográfica do clássico literário “Mulherzinhas”, de Louisa May Alcott, uma das muitas descobertas literárias às quais cheguei por meio do cinema.

Mais velha, pude entender a complexidade do roteiro de “O Pecado de todos nós” (Reflections in a Golden Eye): Liz corajosamente nua sobre um cavalo, tentando provocar a libido de dois homens – um deles Marlon Brando, lindo e louro, no auge do talento e da forma física… a razão da frieza de seu personagem para com a esposa fogosa a maior e retumbante surpresa do filme! O roteiro tinha aquele componente caro ao dramaturgo TennesseWilliams (apesar deste filme não ter assinatura dele) de mostrar claramente sem dizer de fato.

Em “Assim Caminha a Humanidade”, Liz segurava cenas tensas com o talentosíssimo James Dean e conseguia aparecer tanto quanto o gigante Rock Hudson – ela uma “tampinha” peituda e sem bunda, mas com curvas que sabia valorizar.

E foram muitos os clássicos com seu nome na ficha técnica. Por dois deles –“Disque Butterfly 8”, um conto de fadas amargo, e “Quem tem medo de Virginia Woolf”, em que conseguiram enfeiá-la para o papel principal – ganhou os dois únicos Oscars da carreira. Mereceu estes e outros que não ganhou, como para seus papéis em “De repente, no último verão” – ela vulnerável e psicologicamente traumatizada como a sobrinha que uma tia calculista queria lobotomizada; em “Adeus às ilusões”, como uma mãe liberal e pensadora que seduz o diretor de uma escola católica para garotos; sem falar no já citado “Gata em teto…” – ela derramando sensualidade para reconquistar o marido alcoólatra e a preferência do sogro moribundo.

Como sabia escolher bem seus filmes!!!

Pensando bem, os deuses devem ser mesmo imortais, pois a Liz Taylor que conheci continua por aí, naqueles filmes que embalaram uma vida inteira de enlevos cinematográficos. Devota que sou, cultuarei para sempre o glamour da Hollywood que ela representou.

Bravo, Aronofsky!

Mais de um mito clássico e teorias psicanalíticas já concluíram que todos temos dentro de nós a luz e as trevas… e que prevalece em nosso caráter a porção que escolhemos alimentar. É dessa dicotomia que trata “Cisne Negro”, ótimo suspense psicológico do diretor Darren Aronofsky que deu o primeiro Oscar de Melhor Atriz a Natalie Portman (mereceu!).

No papel da bailarina Nina, ela vive com uma mãe dominadora (Bárbara Hershey cheia de plásticas e botox), que claramente procura espelhar na filha seu desejo inalcançado de sucesso na carreira. De técnica irretocável, Nina seria a escolha óbvia para a personagem principal do clássico balé de repertório “O Lago dos Cisnes“, que sua companhia começará a montar. Mas, segundo o diretor artístico, Tomás (o francês Vincent Cassel), seu temperamento enrustido a impediria de convencer nos dois papéis exigidos da protagonista no espetáculo: o da princesa transformada em cisne branco, e o de sua irmã gêmea (a cisne negro), que seduz seu amado.

Uma reação impulsiva a um assédio, porém, faz o diretor finalmente apostar em Nina, que passa a ser muito exigida durante os ensaios. A pressão psicológica desperta alucinações, que dão pistas sobre as sombras que Nina traz dentro de si e tem tanto medo de encarar ou dar vazão, como se vivesse amedrontada pelo fantasma de si mesma.

O diretor Aronofsky – que fez aflorar a fragilidade em Hugh Jackman no belíssimo “A Fonte da Vida” e talento interpretativo de Mickey Rourke em “O Lutador” – tira de Natalie Portman a melhor atuação de sua carreira até aquele momento. E não digo isso por ser ela (e não uma dublê) quem dança em muitas das cenas de balé clássico do longa. Prestem atenção nas expressões que seu rosto assume depois que um ato extremo deixa aflorar seu “cisne negro”.

Também plasticamente o filme é lindo! Algumas cenas de balé – particularmente uma em que Natalie vai transformando-se em cisne negro em pleno palco – são de uma poesia visual arrebatadora. O diretor consegue fazer um filme introspectivo e grandioso ao mesmo tempo. Não é pouco,

Bravo, Aronofsky!

Christopher Nolan é o meu herói!

Definitivamente, o cineasta Christopher Nolan é o meu herói! Não assisti a um filme escrito e dirigido por ele que não fosse um primor de engenharia narrativa e um baita desafio à capacidade de raciocínio do espectador. Vejam, por exemplo, “Amnésia“, sobre um homem com perda de memória recente que sai à caça dos responsáveis pelo assassinato da mulher. Para lembrar seus objetivos, ele tatua mensagens para si mesmo no próprio corpo. Sensacional o expediente de filmar a história de trás para frente, para dar ao espectador a mesma sensação que tem o personagem ao “acordar”, a cada 15 minutos, em uma situação estranha sem ter absolutamente nenhuma memória de como foi parar nela.

Achei que, após sua série Batman, não havia como o diretor e roteirista elevar ainda mais o nível de seu trabalho até assistir “A Origem”. No filme, Leonardo DiCaprio interpreta um expert na invasão de subconscientes durante o sono para extrair segredos valiosos. Exilado por ser considerado um criminoso nos Estados Unidos, ele aceita a proposta de fazer o que ninguém em seu ramo conseguiu antes: “implantar” – a “Inception” (inserção) do título original – uma ideia no subconsciente de um herdeiro milionário, em troca de retornar livre para seu país e sua família.

Nolan arquiteta um roteiro tão engenhoso que precisei rever o filme para entender todas as partes. A ficção que ele constrói nas viagens pelos sonhos dos personagens é perfeitamente coerente nas alusões ao funcionamento do subconsciente humano. O diretor consegue costurar este jogo de simbolismos à história de um homem atormentado por um fantasma de seu inconsciente, que busca desesperadamente expiação, perdão e “voltar para casa”. Ainda tempera a trama com sequências de ação da melhor qualidade – tudo ao mesmo tempo.

Como se não bastasse, os efeitos especiais de “A Origem” são impecáveis. Em uma sequência de perseguição, por exemplo, dois personagens lutam corpo a corpo em um ambiente que literalmente “rola” em torno de seu próprio eixo devido à ausência de gravidade. Tudo bem que Fred Astaire já havia dançado antes por paredes (PARADAS) na década de 1950, mas os caras lutam por paredes em constante rotação!!! Não consigo nem de longe imaginar o tipo de coreografia de câmeras e cabos que foi necessária para simular tal efeito.
Genial, Nolan, genial!

Aí vem a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e indica “A Origem” em oito categorias do Oscar 2011 – entre elas as merecidíssimas de Melhor Filme e de Melhor Roteiro Original -, mas simplesmente “esquece” de indicar Nolan na de Melhor Diretor.
Lamentável Academia… lamentável!

Preste atenção nas várias interpretações que o simples aparecimento deste peão enseja nas últimas cenas do filme.

‘Inverno da Alma’ exala aridez

Se tivesse que descrever o filme  “Inverno da Alma” (Winter’s Bone, EUA, 2010) em uma única palavra seria “aridez”. Neste filme dirigido por Debra Granik, que concorreu ao  Oscar 2011 de Melhor Filme, tudo – do cenário às relações  – evoca secura e desolação. Seu maior mérito, porém, foi ter revelado ao mundo o grande talento interpretativo de uma jovem Jennifer Lawrence.

A história gira em torno das buscas que a adolescente Ree Dolly (Lawrence) empreende atrás de seu pai, desaparecido desde que saiu da prisão. Precocemente amadurecida pelas circunstâncias – cuida da mãe doente e cria os irmãos de 7 e 12 anos sozinha -, Ree tem urgência em encontrá-lo antes da data da audiência  que decidirá se sua família será despejada e separada pelo Estado.

A determinação com que a jovem entrega-se à investigação sobre o paradeiro do pai, mesmo sob ameaças de parentes criminosos é admirável. Sem derramar uma lágrima, a jovem visita e é visitada por policiais, traficantes e um agiota.

Florestas de galhos e folhas secos, chão duro de terra, pântanos gelados, clima frio e habitações pobres de madeira são os cenários percorridos por Ree durante suas buscas, intensificando a sensação de desolação que embala todas as cenas.

Jennifer Lawrence também foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz, que perdeu para atuação arrebatadora de Natalie Portman em “Cisne Negro”.  Sua interpretação é impressionante, combinando autoridade, coragem e ao mesmo tempo amor pelos seus em cenas extremamente tensas.

Pesado e triste, não é um filme fácil de ver, mas também quase impossível de abandonar. A tensão e a curiosidade por saber até onde aquela busca quase suicida levará nos acorrenta à trama. Vale a pena!

‘Não me abandone jamais’ é para os fortes!

Foi procurando os títulos em que o jovem Andrew Garfield já atuou no cinema que cheguei ao doce e dolorido drama “Não me abandone jamais” (Never Let me go, ING, 2010), de Mark Romanek. Não procurava o Andrew Garfield prestes a virar astro do novo Homem-Aranha, mas o que me fez torcer pelo “derrotado” Eduardo Saverin de “A Rede Social”. Se você viu o mesmo que eu em sua atuação não pode perder este filme. Na pele do doce, sensível e limitado Tommy, a improvável mistura de fragilidade e atitude de sua atuação elevam o carisma de Garfield um nível acima.

“Não m e abandone jamais” é inspirado em livro de Kazuo Ishiguro, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 2017 e mesmo autor de “Resíduos do Dia” –  que deu origem ao também inglês e igualmente melancólico  “Vestígios do Dia” (Remains of the Day, ING, 1993). A trama acompanha a amizade dos personagens Tommy (Garfield), Ruth (Keira Knightley) e Kathy (Carey Mulligan), iniciada na infância dos três, passada em um internato cheio de disciplinas rígidas quanto à alimentação e à saúde e sem contato nenhum com o mundo exterior.

O pano de fundo é um presente distópico, em que a legalização da engenharia genética enseja anomalias sociais como a de seres humanos criados única e exclusivamente para abastecerem, quando adultos, a indústria de órgãos humanos.  Ou seja, eles crescem sabendo que estão destinados a terem seus órgãos retirados cirurgicamente, um a um, até morrerem.

O conhecimento precoce dessa cruel realidade precipita a formação de um triângulo amoroso entre os protagonistas. Quando chegam à iminência de cumprirem seus destinos, os três jovens tentam desesperadamente fugir a ele e, no processo, um amor é restaurado, uma culpa redimida, mas muitas ilusões e esperanças acabam perdidas.

Tento não usar a palavra tristeza para o filme, já que meu irremediável romantismo tende a supervalorizar o amor em detrimento do drama, mas não há como evitar. A história é irremediavelmente melancólica, mas também linda porque sobre amor.

Ainda assim, é para os fortes!

Meu Blake Edwards favorito!

Nunca fui muito grande fã da obra do diretor e roteirista Blake Edwards, falecido neste 15 de dezembro, aos 88 anos, apesar de ter dado boas risadas com “Um convidado bem trapalhão” (The Party, EUA, 1968). Mas sempre serei grata por ele ter adaptado para o cinema a novela de Truman Capote “Bonequinha de Luxo” (Breakfast at Tiffany’s, EUA, 1961), um dos clássicos cinematográficos que mais marcaram minha memória emocional. Assisti ao filme várias e várias vezes na Sessão da Tarde da Globo, naquela fase de ouro, entre final dos anos 1970 e metade dos 1980, em que o horário exibia grandes clássicos da antiga Hollywood.

Lembro-me de, na infância ingênua a que minha geração teve direito, não ter entendido todas as referências do roteiro à profissão de Holly Golightly e nem à condição de gigolô do escritor com bloqueio criativo Paul Varjak (George Peppard) – jamais me ocorreu perguntar, por exemplo, por que diabos os acompanhantes de Holly sempre davam 50 dólares para ela ir ao banheiro ou por que a decoradora de Paul deixava dinheiro na cabeceira de sua cama (criança, devia colocar tudo na conta dos “estranhos costumes americanos”… rs).

Para mim, importava o glamour de ver Audrey, linda e longilínea em um longo de festa, comendo croissant com café na calçada da Tiffany’s; divertir-me com os diálogos interessantíssimos entre ela e Paul e liquefazer-me com o romantismo do dia que ambos passam juntos fazendo traquinagens por Manhattan… ao final do passeio, ambos magicamente surpresos no hall do prédio… ela subindo a máscara de gata para revelar os olhos brilhantes à espera de um beijo (ai, ai…).

Na televisão não podíamos voltar a cena, mas, ao comprar o DVD, realizei-me voltando tantas vezes quanto pude aguentar rever Holly surpreendendo Paul ao chegar em um beco, debaixo de chuva, para ajudá-lo a procurar por “Gato” – símbolo do desapego a laços que Holly cultivava com tanto desespero e que ela havia acabado de enxotar. A chuva, o beijo de ambos à sombra dos predinhos de Manhattan, carros passando e, ao fundo, os acordes de “Moon River”. Pura mágica hollywoodiana!

Tenho o hábito de procurar para ler os livros que inspiraram filmes que adorei assistir, mas me acovardei neste caso. Conhecendo a fama cáustica de seu autor, tive medo que a história original comprometesse para sempre esta minha memória emocional. No fundo, continuo uma “inglesa romântica”.

‘A Rede Social’ e a juventude 2.0

Nerds, geeks, geração Y, juventude 2.0… Todos esses “clubes” estão representados em “A Rede Social“, filme de David Fincher que conta a história de como foi criado o Facebook, o site de relacionamento mais popular do planeta. Se você não pertence a nenhum deles, porém, não se preocupe. O informatiquês de alguns diálogos não compromete o entendimento deste thriller interessantíssimo sobre o universo de uma geração que nasceu falando em linguagem de bits.

Basicamente, o roteiro gira em torno da figura de Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg), um nerd que ficou bilionário aos 23 anos graças à invenção do Facebook de seu dormitório na Unversidade de Harvard. Tudo começa na noite em que ele leva um fora da namorada e seu cérebro embotado de cerveja hackeia a rede da instituição para expor dados de suas alunas. Sua façanha chama a atenção de três outros estudantes, membros de um proeminente clube de Harvard, que o convidam a colocar em prática a ideia de uma rede social dentro da universidade. Mark concorda, mas desaparece e concretiza a ideia sozinho, com capital do melhor amigo, o brasileiro Eduardo Saverin (Andrew Garfield) – em quem também dará uma “rasteira” quando o Facebook torna-se um grande investimento.

As disputas judiciais que os quatro “passados para trás” movem contra o já bilionário Zuckerberg servem de espinha dorsal para a montagem do filme, todo entrecortado por flashbacks. Mas o mais interessante – para mim, pelo menos – não é a história em si e nem mesmo saber como acabam as disputas judiciais. É entender o que move esta geração tão familiarizada com tecnologia e máquinas, mas tão pragmática e antissocial.

A julgar pelas pistas dadas pelo filme, o que move a juventude 2.0 é o de sempre (mudam os “brinquedos”, mas não os anseios adolescentes): paixão, necessidade de pertencimento, desafiar a autoridade e, no caso específico da americana, a popularidade.

Não por acaso Mark decide ampliar o alcance do Facebook para outras quatro universidades – e depois para outros países – quando percebe que sua fama de criador do site não chegou à instituição em que a ex-namorada estuda. E quando ele é reconhecido pela façanha em uma palestra de Bill Gates, parece que estamos assistindo pela enésima vez ao clichê do atacante do time de futebol da escola sendo reverenciado pelos seus seguidores – vemos isso em 99 de cada 100 filmes americanos passados no universo adolescente.

Para Mark, o sucesso do Facebook é mais do que um projeto bem sucedido. É também a vingança perfeita do nerd ainda rancoroso por nunca ter sido convidado a integrar nenhuma das seculares fraternidades de Harvard – aliás, permitam-me dizer que acho uma grande palhaçada este “sistema de castas” instituído pelas fraternidades americanas (espécies de repúblicas cujos membros passam por severos critérios de seleção e cuja participação confere status social, tão alto quanto mais tradicional ela for).

E vamos combinar que comparecer a audiências disciplinares ou reuniões empresariais trajando moletom e chinelos, sem o menor respeito pelo protocolo, não é algo muito diferente do que milhares de adolescentes já fizeram antes para desafiar todo tipo de autoridade constituída.

Saber que as motivações dos adolescentes 2.0 são as mesmas de gerações anteriores já é um começo para quem tenta entendê-los e lidar com eles, mas não toda a resposta. Há que se descobrir ainda como formar o caráter de jovens com ego inflado pela sensação de poder dada pelo multi-acesso às informações, mas com sociabilidade amortecida pela falta de prática.

Eu tenho vontade de parafrasear Ziraldo: “Já pra rua ver gente, menino!